quinta-feira, 13 de outubro de 2011

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA ILEGAL ANULA TODAS AS DEMAIS PROVAS

Interceptação ilegal de ligação telefônica anula todas as provas dela provenientes, eis que trata-se dos frutos das árvore envenenada, teoria de origem norte-americana. Tal teoria entende que os vícios da planta são transmitidos aos seus frutos. Ou seja: os vícios (ilegalidades) de uma determinada prova contaminam os demais meios probatórios que dela se originaram, assim decidiu, em primeira instância, o juiz da 2ª Vara Criminal de Campo Grande/MS, sentença abaixo transcrita.

“O artigo 5º, inciso LVI, da Carta Magna de 1988, estabelece: São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Depreende-se, pois, que as provas ilícitas não podem ser produzidas pelas partes do processo, devendo, na hipótese de sua produção, serem excluídas do feito. O desentranhamento, portanto, faz-se necessário - sem que isso redunde, obrigatoriamente, no insucesso de quem as produziu, pois os demais meios probatórios poderão comprovar a veracidade dos fatos alegados. Como se vê, o vigente ordenamento constitucional repele a produção de provas ilícitas, o que denota que a liberdade de provar não é absoluta no Brasil”. (Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil. Professor de Direito Constitucional Positivo e de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Pós-Graduação e de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos e Exames da OAB. Autor da obra "1001 Questões Comentadas, em http://www.webartigos.com/artigos/teoria-dos-frutos-da-arvore-envenenada/10575/)

Vejamos uma sentença que demonstra e bem explica a aplicação prática da teoria supra citada:

Estado de Mato Grosso do Sul
Poder Judiciário
Campo Grande
2ª Vara Criminal



Autos nº 00435682-57.2010.8.12.0001
Autor: Ministério Público Estadual
Réus: Genaro Medina da Silva,
Julio Augusto Fretes e
Walmir Guimarães Cardoso.
I - Relatório.

O Ministério Público ofertou denúncia contra as pessoas acima nominadas, pois segundo a peça acusatória:
... no dia 22 de junho de 2010, por volta das 19h30min, na Avenida Marechal Deodoro, em frente ao Motel paraíso, Bairro Coophavila II, nesta cidade e comarca de Campo Grande, Estado de Mato grosso do Sul, em concurso de pessoas e unidade de vontades, os denunciados GENARO MEDINA DA SILVA, JULIO AUGUSTO FRETES e WALMIR GUIMARÃES CARDOSO transportavam, para o fim de comércio, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 270 (duzentos e setenta) tabletes de substância análoga à MACONHA, pesando 373,329 g (trezentos e setenta e três mil, trezentos e vinte e
nove gramas)...
(...)
... no dia 22 de junho de 2010, por volta das 19h30min, na Avenida Marechal Deodoro, em frente ao Motel paraíso, Bairro Coophavila II, os denunciados GENARO MEDINA DA SILVA, JULIO AUGUSTO FRETES e WALMIR GUIMARÃES CARDOSO associaram-se, para o fim de praticar, reiteradamente ou não, crime de tráfico de droga...
(...)
... no dia 22 de junho de 2010, por volta das 19h30min, na Avenida Marechal Deodoro, em frente ao Motel paraíso, Bairro Coophavila II, nesta cidade e comarca de Campo Grande, Estado de Mato grosso do Sul, em concurso de pessoas e unidade de vontades, os denunciados GENARO MEDINA DA SILVA, JULIO AUGUSTO FRETES e WALMIR GUIMARÃES CARDOSO transportavam, para o fim de comércio, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 270 (duzentos e setenta) tabletes de substância análoga à MACONHA, pesando 373,329 g (trezentos e setenta e três mil, trezentos e vinte e
nove gramas)...
(...)
... no dia 22 de junho de 2010, por volta das 19h30min, na Avenida Marechal Deodoro, em frente ao Motel paraíso, Bairro Coophavila II, nesta cidade e comarca de Campo Grande, Estado de Mato grosso do Sul, o denunciado WALMIR GUIMARÃES CARDOSO falsificou, em parte, documento público verdadeiro...
Por tal razão, pugnou pela condenação dos réus Genaro Medina da Silva e Julio Augusto Fretes pela prática dos crimes do art. 33 e 35 da Lei nº 11.343/06; e do réu Walmir Guimarães Cardoso pela prática dos crimes do art. 33 e 35 da Lei nº 11.343/06 e art. 297 do Código Penal.

Apresentada a denúncia, os réus foram devidamente notificados e apresentaram defesa preliminar.

A denúncia foi recebida em 25 de novembro de 2010 (fls. 191).

No decurso da instrução criminal, foram colhidos os interrogatórios dos réus, e os depoimentos de duas testemunhas de acusação e três testemunhas de defesa.

Em sede de alegações finais, o Ministério Público, tecendo considerações acerca das provas carreadas, pleiteou pela condenação de todos os acusados, nos limites da denúncia.

A defesa do réu Julio Augusto Fretes, em alegações finais, pugnou pela declaração de nulidade de todas as provas colhidas nos autos, eis que decorrentes de interceptação telefônica clandestina. Pede ainda a absolvição do réu de todas as imputações lhe irrogadas, ou alternativamente que lhe seja aplicada a pena mínima, inclusive com a causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06.

A defesa do réu Walmir Guimarães Cardoso também roga pelo reconhecimento da ilicitude das provas colhidas nos autos e absolvição pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, ante a insuficiência de provas, bem como a absolvição pelo crime de falsificação de documento público, já que o documento se apresenta como falsificação grosseira, e logo de consumação impossível.

Por fim, a defesa de Genaro Medina pugna pela absolvição das práticas à ele imputadas, ante a insuficiência de provas, ou alternativamente pela aplicação da causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06.
Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório do que interessa.

Passo a decidir.

II - Fundamentação.
Como dito alhures, são imputadas a todos os réus a prática dos crimes do art. 33 e 35 da Lei nº 11.343/06, e ainda ao réu Walmir Guimarães Cardoso a prática do crime do art. 297 do CP.

Pois bem.

Antes da análise do mérito, há que se analisar uma questão preliminar levantada nas alegações finais dos acusados Julio e Walmir.

As referidas defesas alegam a nulidade das provas colhidas nos autos porque decorreriam de uma suposta interceptação telefônica clandestina.

O pedido decorre principalmente da alegação da testemunha ouvida à fls. 264/266.

A testemunha Renata Vasques de Freitas, policial militar que participou da prisão dos acusados, afirma que tinham conhecimento prévio de quais veículos estariam transportando a droga, e que isso se deu a uma interceptação telefônica feita pela PM2.

Em diversos momentos a miliciana faz referência à interceptação telefônica:

"... foi passado pra gente que foi copiado pelo telefone. (...) Quando eu assumi o serviço já estava, a guarnição que estava antes da minha já estava à espera dessa, de chegar esse entorpecente, que já havia interceptado essa conversa. A PM2 já tinha interceptado no período da manhã. (...) Ele fez uma ligação para um telefone que estava grampeado e nessa, e eles ficam procurando na transmissão e pegou a conversa dele pedindo apoio para uma outra pessoa buscar ele nesse, nesse hotel. Porque ele estava, ele tinha corrido da Polícia, tinham pegado a droga, que ele estava escondido em um hotel. Foi assim que eles chegaram até o hotel, ele falou o hotel para essa outra pessoa ir buscá-lo e nessa, e fizeram a interceptação dessa conversa e eles foram até lá primeiro e pegaram o Walmir..."


Em decorrência disso, à fls. 591 o julgamento foi convertido em diligência, edeterminada a solicitação de informações a respeito de eventual interceptação telefônica. A medida buscava sanar a nulidade das provas.

Entretanto, apesar de terem sido enviados dois ofícios ao Comando Geral da Polícia Militar, não foram respondidos.

Com isso, em que pese a possibilidade de que não tenha ocorrido a referida interceptação (mas que se trate tão somente de confusão da testemunha) ou mesmo que tenha havido autorização judicial em procedimento sigiloso, o fato é que não se pode considerar como válidas provas envolvidas em tão densa cortina de fumaça.
À vista do exposto, é fácil perceber que uma interceptação telefônica realizada sem ordem judicial e em descumprimento ao comando legal, não sobrevive no âmbito jurídico-processual.

Inclusive, conforme estabelece o artigo 10 da Lei n. 9.296/96, constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Dessa maneira, estabelecida a ilicitude de eventual interceptação telefônica, há que se estabelecer se as demais provas contidas nos autos também o são.

Pois bem, aqui adentramos na seara das chamadas provas ilícitas por derivação.

Observe-se que não apenas as provas obtidas ilicitamente são vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro (interceptação telefônica sem autorização judicial, por exemplo), como também as denominadas provas ilícitas por derivação.

Se, mediante uma interceptação telefônica ilegal, angariam-se informações à respeito da localização de uma "boca de fumo" ou da res furtiva, indaga-se se estaria contaminada pela ilicitude da interceptação a busca e apreensão de substâncias entorpecentes ou da coisa produto de furto.

E, tem-se entendido que a obtenção ilícita de informações, ou seja, a eventuais diligências realizadas. Ou seja, se a interceptação ilegal foi a prova exclusiva que desencadeou a apreensão da droga, o vício transmite-se à apreensão.

Consequentemente, todas as provas produzidas nos autos decorrem da informação prévia que detinham os policiais, de que determinados veículos que passariam pelo local estavam transportando o entorpecente.

Inclusive, até mesmo a confissão dos réus, que decorre, em última análise, da apreensão da droga consigo, deve ser considerada viciada.

Por tal motivo, referidas provas também encontram-se contaminadas pelo vício que eiva a suposta interceptação telefônica.

Em decorrência disso, são nulas as seguintes provas: prisão em flagrante dos réus; apreensão do entorpecente (e consequentemente as perícias nele realizadas); interrogatórios e depoimentos colhidos perante a autoridade policial; confissões dos réus; e
depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão dos réus.
Feito isso, passemos à análise do mérito.

E, tendo em vista a declaração de nulidade de todas as provas que embasavam a comprovação da materialidade delitiva, não há outra conclusão a se chegar que não a absolvição dos réus das imputações lhe irrogadas.
III - Dispositivo.

Em face a todo o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados na denúncia para fim de ABSOLVER os réus Genaro Medina da Silva, Julio Augusto Fretes e Walmir Guimarães Cardoso pelas acusações lhes irrogadas, o que faço com fulcro no art. 386, II, do CPP.

Expeçam-se imediatamente os alvarás de soltura dos acusados.

Desde já determino seja oficiado à Delegacia de Polícia autorizando a incineração da droga, caso não tenha sido feito, ressaltando que deve ser reservado amostra para eventual contraprova até o trânsito em julgado.

 Em relação aos demais bens apreendidos (celulares e veículo Fiat/Pálio) defiro sua restituição aos acusados (conforme relacionamentos do Boletim de Ocorrência – fls. 51).
Tendo em vista a possibilidade de cometimento do crime do art. 10 da Lei nº 9.296/96, encaminhe-se cópia do depoimento de fls. 264/266 e da presente sentença à Corregedoria Geral da Polícia Militar e ao Ministério Público.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquive-se, observadas as formalidades legais.

Cumpra-se.

Campo Grande, 27 de setembro de 2011.

Marco Antônio Montagnana Morais
Juiz Substituto

(sentença disponivel no site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul: http://www.tjms.jus.br/)

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