segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Tráfico de Drogas ainda é Crime Hediondo?

 

O Cálculo dos Requisitos Temporais ou Relatório da Situação Processual Executória, disponivel no sistema SEEU existe as previsões de aplicação da fração de 40% para progressão de regime para os crimes considerados ou equiparados hediondos, no caso crime de tráfico de drogas, quando réu primário. No entanto, a grande discussão nacional é no sentido de que o legislador deixou de equiparar o tráfico como crime hediondo, tampouco ele esta previsto na lei de crimes hediondos. Seria ainda um crime hediondo? É possível ignorar a ausência de lei e continuar aplicando penas  com frações mais severas para progressão de regime?

Com advento do pacote anticrime, lei 13.964/2019, conhecido por Lei Moro, resultou em diversas inovações à legislação penal e processual penal brasileira, inclusive no tocante à execução penal.

O crime de tráfico de drogas, ele não foi incluído no rol dos crimes hediondos, mas foi equiparado a eles, com base no artigo 2º da lei 8.042/1990 (lei dos crimes hediondos), onde menciona que o crime de tráfico de drogas é insuscetível a anistia, graça, indulto e fiança.

Consoante a isso, temos em nossa constituição federal, em seu art. 5º, inciso XLIII, informando que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

Diante disso, com o advento do pacote anticrime, o único dispositivo que previa sobre a progressão de regime dos crimes equiparados ao crime hediondo, o art. 2º, que mencionava as frações de 2/5 para primários e 3/5 para reincidentes específicos, com suas alterações, não existem mais em nosso ordenamento jurídico, vejamos:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (Vide Súmula Vinculante)

I - anistia, graça e indulto;

II - fiança e liberdade provisória. (Revogado)

II - fiança. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)

§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado. (Revogado)

§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)

§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. (Revogado)

§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007) (Revogado)

§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).     (Redação dada pela Lei nº 13.769, de 2018)

(Revogado pela lei nº 13.964, de 2019).

(...)

 

Em razão dessas alterações na legislação, derivou uma “lacuna legislativa”, no tocante ao lapso para progressão de regime para os crimes equiparados hediondos, caso do apenado, eis que não existe mais nenhuma previsão legal em nosso ordenamento jurídico que informe sobre a fração ou porcentagem para fins de progressão de regime nesses crimes, portanto, entendemos que o crime deve ser considerado um crime comum, ainda que para efeito de progressão de regime.

Consoante a esse entendimento, o pacote anticrime inclusive adicionou vários crimes ao rol dos crimes hediondos, sendo eles:

A-                 Roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima;

B-                 Roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);

C-                  Roubo qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º);

D-                 Extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);

E-                  Furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum (art. 155, § 4º-A).

F-                  O crime de genocídio, previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;

G-                 O crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

H-                 O crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

I-                   O crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

J-                 O crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.

 

Portanto, mesmo após o pacote anticrime, onde o legislador incluiu novos delitos como hediondos, não abrangeu em nenhum local o crime de tráfico de drogas.

A lei anticrime é bem clara e taxativa ao incluir crimes ao rol de hediondos, e assim deve ser interpretada ao EXCLUIR O CRIME DE TRÁFICO de seu rol de equiparados aos crimes hediondos, que se frise embora fosse equiparado, jamais foi elencado como crime hediondo.

A nova redação do artigo 112 da Lei de execuções penais, com a lei anticrime, assim ficou:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência).

 

Hodiernamente, não existe nenhum dispositivo legal que INCLUA O CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS COMO EQUIPARADO AOS HEDIONDOS e assim, não há como se submeter os condenados por tráfico à progressão de regime mais severa prevista na Lei anticrime, por ausência de previsão legal, o que é protegido por nossa Constituição Federal, vejamos:

Nossa Carta Magna, dispõe que:

Art. 5°

XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

(...)

XL – A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

 

Consoante a esse entendimento, trago uma jurisprudência sobre a ausência de legislação:

“Diante da lacuna legislativa, não se pode admitir a aplicação de norma mais gravosa a partir de interpretação prejudicial ao réu. Tendo em vista a ausência de previsão aplicável a apenados condenados por crimes hediondos ou equiparados, mas reincidentes genéricos (condenação anterior por crime não hediondo ou equiparado), deve-se integrar a norma a partir de interpretação em benefício do réu, já que vedada a analogia in malam partem” Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1327963”

 

 

Sendo assim, a Lei 13.964/2019 constituiu uma lei penal nova benéfica. REVOGANDO EXPRESSAMENTE O ARTIGO QUE EQUIPARAVA TRÁFICO AOS CRIMES HEDIONDOS PARA FINS DE PROGRESSSAO.

Entendemos, portanto, muito além disso, permite hoje a progressão de regime desde que cumpridos os seguintes períodos de pena:

16% para apenados primários se o crime for cometido sem grave ameaça;

25% se primário com grave ameaça;

20% se reincidente sem grave ameaça;

30% nos casos de reincidente com grave ameaça, devendo, imperiosamente, retroagir.

 

Neste caso, iseria o caso dereconhecer pela aplicação de lei retroativa mais benéfica, ante o misto de lei processual e penal, como é o caso, e, na ausência de previsão legal de classificação do crime de tráfico de drogas, deveria ser aplicado o percentual mais brando?.

Assim, diante do esvaziamento da equiparação à hediondez, imperioso concluir que o apenado condenado pela prática de “tráfico de drogas” deverá progredir conforme os critérios objetivos dos delitos comuns,  entendimento que já vem sendo negado pelos Juízes de Mato Grosso do Sul.

Vejamos trecho de uma decisão que negou o pedido de afastamento da hediondez:

Vistos, 

Requer a defesa a desconsideração da hediondez do crime de tráfico de drogas, argumentando, em linhas gerais, que a nova redação dada à lei de crimes hediondos pela Lei n. 13.969/19 (pacote anticrime), não elenca tal crime como hediondo, nem mesmo como equiparado, e, consequentemente, deve ser utilizada a fração 1/6 para o cálculo da progressão de regime. Pede, ainda, saída temporária (evento 92.1)

 Manifesta o MP pelo deferimento da saída temporária. 

Decido. 1. Da impugnação ao cálculo. 

O pedido não comporta deferimento. Inobstante a argumentação da defesa, mesmo com as alterações introduzidas pelo pacote anticrime, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes segue equiparado aos crimes hediondos, nos termos do artigo 2º da Lei 8.072/90. A propósito, recente julgado do STJ: "PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. CÁLCULO DE PENAS. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. INADMISSIBILIDADE DE COMINAÇÕES DE LEIS SUCESSIVAS. ANÁLISE DA PRETENSÃO À LUZ DE CADA UMA DAS NORMAS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO.

 1. O entendimento desta Corte Superior é o de impossibilidade de combinação de leis, formando uma terceira lei. Assim, deve o julgador analisar, de forma individualizada, qual redação do artigo 112 da Lei das Execuções Penais é a mais benéfica ao sentenciado para fins de alcance do requisito objetivo necessário à progressão de regime - aquela com ousem as modificações trazidas pela Lei n. 13.964/2019.

 2. Na hipótese, a retificação do cálculo de penas do sentenciado, para aplicação dos lapsos de progressão de regime de 40% para os crimes equiparados a hediondo (tráfico de drogas) e 20% aos crimes comuns, cometidos sem violência ou grave ameaça (tráfico de drogas privilegiado e porte ilegal de arma de fogo) mostra-se mais benéfica para o agravante, devendo ser mantida sua aplicação. 

3. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC 699.653/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 16/11/2021 - destacou-se) Com o advento do pacote anticrime, a progressão de regime aos condenados por crimes hediondos ou equiparados passou a ser regulada na própria LEP, mais precisamente em seu artigo 112, V, mantendo, inclusive, o mesmo patamar (2/5), doravante em porcentagem: 

"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: [...]

 V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; [...]" (destacou-se). 

Assim, não havendo dúvidas de que o crime de tráfico ilícito de entorpecentes segue equiparado a hediondo por expressa previsão de lei, tendo em vista que o cálculo prevê a progressão de regime para tal delito em 40% - exatamente o patamar previsto no artigo 112, V da LEP -, indefiro o pedido da defesa e rejeito a impugnação ofertada.

Esta foi a fundamentação para  negar o pedido, ou seja,  para o magistrado existe norma que traz tal previsão (Art, 112 da LEP)  e tendo em vista que o crime de tráfico ilicito de entorpecentes segue equiparado a hediondo, devendo cumprir 40% da pena. 

Devido essa divergência é possível que o tema seja enfrentado pelos Tribunais Superiores e devidamente sumulado para evitar decisões conflitantes nos Tribunais Estaduais e Juízos da Execução Penal.


MAURO DELI VEIGA - ADVOGADO

HUGO EDWARD LIMA MARTINS -A DVOGADO

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