sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A POLÍCIA PENAL E O DIREITO DO PRESO AO TRATAMENTO PENAL

A polícia penal e o direito

do preso ao tratamento penal

 

A Lei de Execução Penal em seu art. 1º traz expressamente que o Estado deve proporcionar meios ou condições harmônicas para a integração social do condenado e do internado.  O CP, art. 59, por outro lado, trouxe como princípios as funções da reprovação e da prevenção da pena no sentido de ser necessária e suficiente de acordo com o delito cometido.

 


Foto de Álvaro Rezende-jornal Correio do Estado




                   foto: divulgação

Com a criação constitucional da polícia penal ( ainda pendente de regulamentação, tanto na esfera federal como estadual) a quem incumbirá a função primordial da Lei de Execução Penal, quem exercerá esse papel, qual seja, de oferecer o tratamento penal que o condenado e o internado têm direito, como fator primordial de reintegração social, questiona-se?.


Aristóteles, na antiguidade clássica, dizia que o criminoso era um inimigo da sociedade, devendo, pois, ser castigado “ tal qual se bate em um animal bruto preso ao julgo” . ( BOSCHI, 2011, p. 90). A partir disso fazemos a seguinte indagação: qual foi a intenção do legislador ao criar a polícia penal, seria resgatar um entendimento de que a pena tem finalidade simplesmente retributiva, ou seria de definir um pessoal especializado para garantir a segurança prisional (polícia penal) e deixar a função ressocializadora (tratamento penal) aos técnicos de diversas especialidades, que formaria equipe multiprofissional, para atuar na recuperação do apenado quando possível, corrigindo quando for corrigível, e neutralizando quando incorrigíveis (LISZT, apud BOSCHI, 2011).

 

O Congresso Nacional promulgou no dia 04/12/2019, em sessão solene, a Emenda Constitucional (EC) 104, que criou a Polícia Penal, órgão responsável pela segurança do sistema prisional federal, estadual e do Distrito Federal. Pelo texto, os quadros da nova corporação serão compostos pela transformação dos cargos dos atuais agentes penitenciários e equivalentes, vejamos:

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VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.

.........................................................................................................................

§ 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais.

§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

............................................................................................................." (NR)

Art. 4º O preenchimento do quadro de servidores das polícias penais será feito, exclusivamente, por meio de concurso público e por meio da transformação dos cargos isolados, dos cargos de carreira dos atuais agentes penitenciários e dos cargos públicos equivalentes.

 

Resta agora saber o seguinte: se os atuais agentes penitenciários optarem pela transformação de seus cargos em polícia penal, que tem função de realizar a segurança dos estabelecimentos penais, quem fará o tratamento penal, quem será o agente transformador que executará os princípios da LEP, eis que o policial penal, em tese, não poderá exercer atribuição que não esteja atrelada ao seu cargo, por não se admitir desvio de função no serviço público.

Entendemos, que os atuais agentes penitenciários estaduais, vocacionados a função policial, deverão optar pela transformação de seu cargo, em respeito ao concurso público e garantia de exercício do cargo que o admitiu no serviço público, e aqueles que não optarem pela transformação em policial, poderão ser aproveitados nos trabalhos de reintegração social, aproveitando sua formação acadêmica, desvinculando-se dos trabalhos de segurança prisional, passando a exercer atribuições de tratamento penal, em atendimento aos princípios da LEP, lei que não foi revogada. Aqueles agentes que optarem pela transformação de seus cargos em polícia, deverão passar por cursos de aperfeiçoamento complementar a formação que já tiveram para que possam exercer essas novas atribuições que não estavam contidas no cargo anterior para o qual prestaram concurso.

 

No entanto, antes da regulamentação e expedição dos atos administrativos da transformação do cargo de agente penitenciário em polícia penal, deverá o ente federativo incumbido da execução penal, providenciar meios, sejam através de convênios, parceria público privada, ou designação de técnicos das diversas formações para realização do trabalho social de reintegração do preso, através de trabalho, educação, curso técnicos, atividade religiosa e maior participação das organizações civis, religiosas e das famílias na execução penal, como uma resposta positiva para evitar a reincidência criminal e valorização das verbas públicas para custeio do preso nos diversos regimes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 1 de julho de 2020

O EXAME CRIMINOLÓGICO E A EXTINÇÃO DA PENA


A exigência do exame criminológico para fins de progressão ao regime intermediário de cumprimento de pena, qual seja, semiaberto, embora não exista mais tal previsão legal, sua realização tem sido determinada  pelos magistrados responsáveis pela execução da pena, em especial àqueles condenados por crimes violentos, nefastos e gravíssimos, como exemplo nos homicídios com severa violência e requintes de crueldades.

Os profissionais habilitados para realização do exame são os psicólogos e médicos psiquiatras, que são previamente cadastrados nos tribunais e são peritos de confiança do juízo que, sob sua designação, marcam dia e hora para realização do exame no custodiado, algumas vezes no ambiente prisional e outras vezes fora dele.

O exame criminológico se divide em etapas: exame de prontuário do preso, exame do processo de sua condenação, entrevistas e testes psicológicos, algumas vezes fracionados em dias, outras em uma única visita do perito, a qual demora em média duas horas, dependendo do avaliado e sua desenvoltura na entrevista e nos testes.

Entendemos que os testes, devido sua complexidade, aliado ao fato de muitos presos serem de baixo nível de inteligência cognitiva e baixo grau de escolaridade, têm prejudicado os avaliados, eis que as respostas obtidas pelos peritos são deformadas ou distorcidas, pela dificuldade que o examinando de baixo grau de intelectualidade tem, e, conseqüentemente, terá uma recomendação desfavorável à progressão ao regime intermediário (regime intermediário é o semiaberto: o regime semiaberto não é de liberdade plena, é intramuros, e as eventuais saídas são autorizadas sob vigilância do Estado).

Entendemos que a complexidade dos testes aplicados pelos profissionais de psicologia pertinentes a Escala Hare – PCL-R (instrumento que avalia o grau de reincidência criminal), teste de Rorschach e testes HTP e TIG-NV – palográfico na Avaliação da Personalidade e inteligência não verbal, tem trazido prejuízos aos sentenciados portadores de menor quociente de inteligência e baixa escolaridade, que ficam ano a ano esperando “sua aprovação” no exame para progredir de regime, o que gera maior despesa ao Estado e maior risco de prejudicialidade a pessoa presa, eis que, a prisão em regime fechado, traz serias consequências emocionais e morais, consequências inerentes das mazelas da prisão, do isolamento social , do distanciamento do convívio familiar e de  relações interpessoais com amigos que não sejam do ambiente prisional.

Embora o preso submetido ao exame de criminologia não tenha sua “ aprovação no exame”, e as decisões judiciais, que não são adstritas ao resultado do exame, podendo o juiz considera-lo parcialmente ou não considerá-lo, fato é que as decisões judiciais, em sua grande maioria, estão sendo vinculadas ao resultado do exame.

Em resposta aos quesitos, seja da defesa, do juiz ou ministério público, por ocasião da finalização do exame criminológico, o perito diz expressamente: “ o sentenciado pelos resultados do exame não está apto ao regime mais brando; não pode exercer atividade laborativa sem a vigilância do Estado – como se o regime intermediário fosse de liberdade plena e o trabalho prisional , em regime semiaberto, fosse sem supervisão do Estado, o que na realidade não o é, por isso, chamado de regime intermediário, onde estará sob vigilância estatal, quando permitida alguma saída temporária, e seu trabalho deve ser em empresas conveniadas com o órgão administrador da pena, onde também permanecerá sob os olhos do Estado.

Outra realidade, talvez desconhecida de parte da sociedade, é que os sentenciados que não são colocados em regime intermediário ;  por não ter tido resultado favorável no exame criminológico ; ficam em regime fechado até o cumprimento integral de sua pena, ano a ano fazendo o exame (gastos ao Estado) e não conseguem exercer um trabalho que lhe de renda, sendo mantidos pelo poder público (alimentação, no mínimo três por dia; água, energia, colchão, roupas, etc) sem dizer em relação ao custo operacional de sua custodia, médico, dentista, psicólogos, assistentes sociais, professor, segurança, escolta, etc.
Não obstante tudo isso, existe a maior de todas as perguntas do mundo:

.........O QUE ACONTECE COM O CONDENADO NÃO APROVADO NO EXAME CRIMINOLÓGICO QUANDO CUMPRE INTEGRALMENTE SUA PENA?
Resposta: ELE É COLOCADO EM LIBERDADE, DEIXA A UNIDADE PRISIONAL DE ALVARÁ DE SOLTURA MOTIVADA PELA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO CUMPRIMENTO INTEGRAL DA PENA.

Ora, se ele era um risco para a sociedade, cometeu crime violento, não pode ser transferido ao regime intermediário pela hediondez do crime, agora ele pode ser colocado em liberdade sem qualquer vigilância do Estado?

A resposta para este outro grande questionamento é positiva, SIM, pois, presume que o mesmo foi reabilitado, o sistema prisional cumpriu seu papel e ele retornou a sociedade curado e ressocializado. Outra presunção é de que os organismos de segurança pública devem funcionar em sua integralidade, mantendo a vigilância geral e, no primeiro desvio de conduta do ex-delinquente (agora em liberdade) quando o sistema policial preventivo não funcionar, ele será reprimido, podendo voltar ao sistema prisional.

Entendemos que o sistema prisional deve ter meios e investimentos que proporcione condições para que o apenado mantenha o que de bom lhe resta em seu caráter quando é incluído no sistema, que recupere aqueles que se mostrarem arrependidos e se curvem ao tratamento penal,  que o sistema progressivo de cumprimento de pena seja respeitado, dando oportunidades aos condenados que tenham bom comportamento e desempenhem atividades laborais e de estudos na unidade penal, que o exame criminológico seja realizado no início do cumprimento da pena, para facilitar a individualização da pena, dando ao recluso a “medida certa do remédio “ que necessita para seu tratamento, que tenha o tratamento durante todo período da prisão em regime fechado, não somente no momento que já alcançou o requisito objetivo para galgar novos rumos em sua vida e oportunidade de um regime mais brando para cumprimento de sua pena. Esperamos que o sentenciado seja sempre fiscalizado pelo Estado, desde a saída do regime fechado, semiaberto, aberto, livramento condicional e até o cumprimento integral da pena, e quando terminar, e receber seu alvará de soltura, seja acompanhado por um patronato penitenciário que auxilie para que possa viver honestamente, através de ofício ou ocupação lícita, fazendo a inclusão social necessária para que não volte a delinquir.

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Referências/ Esclarecimentos

Estudo de Exames realizados em guias de recolhimento;

O Superior Tribunal de Justiça - Súmula 439, com o seguinte teor: "Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada"

A progressão para o regime menos rigoroso pressupõe o preenchimento, simultâneo, dos requisitos objetivo e subjetivo (artigo 112 da LEP).
Requisito Objetivo
O requisito objetivo consiste no resgate de certa quantidade de pena, prevista em lei, no regime anterior, que poderá ser de 1/6 para os crimes comuns e 2/5 (se o apenado for primário) ou 3/5 (se o apenado for reincidente), para os crimes hediondos ou equiparados, nos termos da Lei n. 11.464/2007.
Os novos prazos para progressão de regime, quanto aos crimes hediondos ou a ele equiparados, não se aplicam aos crimes cometidos antes da vigência da Lei 11.464/2007, posto que não se admite a retroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, da CF).
Logo, se o crime hediondo foi cometido antes da vigência da Lei 11.464/2007 (antes do dia 29 de março de 2007), a progressão de regime de cumprimento da pena se faz depois de efetivamente cumprido 1/6 (um sexto) da punição privativa de liberdade no regime anterior, desde que presentes os demais requisitos objetivos e subjetivos.
RequisitoSubjetivo
Lado outro, o requisito subjetivo consiste no bom comportamento carcerário, atestado por certidão emitida pelo Diretor da Unidade Prisional em que o sentenciado encontrar-se recolhido.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

PREFEITURA DE CAMPO GRANDE DEVE GARANTIR O DIREITO DE VACÂNCIA DO CARGO QUANDO EFETIVO E ESTÁVEL


PREFEITURA DE CAMPO GRANDE DEVE GARANTIR O DIREITO DE VACÂNCIA DO CARGO QUANDO EFETIVO E ESTÁVEL


O Juizado da Fazenda Pública da Comarca de Campo Grande/MS, decidiu que a Prefeitura de Campo Grande/MS, deve garantir o retorno ao cargo público quando o servidor for efetivo e estável e tomar posse em outro cargo, assegurando o direito de vacância do cargo, enquanto durar o estágio probatório no novo cargo.

A Lei municipal, Lei Complementar nº 190 (Estatuto do Servidor Municipal de Campo Grande/MS) não tem previsão legal de vacância quando o servidor municipal toma posse em outro cargo de outro ente federado, portanto, o gestor não pode negar o direito de vacância, eis que seus atos estão vinculados ao que a lei prevê e, ante a falta de previsão legal, deve ser aplicado a garantia do art. 41, caput, da Carta Magna  (São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para o cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.)

Vejamos trecho da sentença:

“... Em que pese o parágrafo único do artigo 45, da Lei Complementar nº 190(Estatuto do Servidor Municipal de Campo Grande/MS),estabelecer a vacância somente em caso de servidor público aprovado em novo cargo municipal, abaixo transcrito, verifico que a par da estabilidade incontroversa do servidor, entendo que não pode ser violada a garantia de estabilidade – direito adquirido do servidor, também previsto no artigo 43 do aludido estatuto municipal, devendo prevalecer a orientação de que o vínculo permanece até a nova estabilidade, a fim da efetividade da garantia constitucional acima prevista no artigo 41 da CF”.

“Logo entendo que a exclusão da garantia da vacância prevista em legislação municipal, quanto aos outros cargos dos demais entes federativos do estatuto do Servidor Municipal de Campo Grande/MS, não pode suprimir a garantia constitucional de estabilidade, haja vista que enquanto não completado o lapso de tempo do estágio probatório em outro cargo inacumulável, ao menos pelo período legal, deve ser garantida a estabilidade, ao menos no prazo previsto no próprio parágrafo único do artigo 45 do estatuto municipal, garantindo-se a vacância, também relativa a outro cargo inacumulável do ente federativo transcrito na inicial (auditor estadual de controle externo), podendo caso esgotado o período de vacância, haver a exoneração nos moldes legais”.

Assim, “nos termos da fundamentação supra, para o fim de anular,retroativamente, o ato administrativo que desconsiderou o pedido de vacância e demitiu o autor por abandono de cargo, para declarar a validade do pedido de vacância do servidor, admitido em cargo público inacumulável junto ao Tribunal de Contas Estadual, anulando-se a demissão por abandono de cargo, anulando-se o processo administrativo processo n. 17090/2016-45 desde a decisão de f. 08-12(pagina 22-26)”.

A decisão judicial, portanto, declarou nulo o procedimento administrativo e manteve a validade do pedido de vacância, garantindo o direito de retorno ao cargo em caso de inaptidão do estágio probatório em outro cargo durante o período de estágio probatório.

(fonte: processo nº 0814231-57.2017.8.12.0110 - TJMS)


quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

O ESTADO DEVE INDENIZAR O PRESO OU FAMILIAR EM CASO DE DEMORA NO CUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL OU EM CASO DE MORTE DE PRESO


Os Tribunais Brasileiros têm decidido que existe responsabilidade objetiva do ente estatal em caso de demora injustificada no cumprimento de determinação judicial de soltura ou progressão de regime de custodiados. Mesmo entendimento judicial tem fixado indenização a familiar de presos mortos em virtude de homicídios ocorridos durante a prisão, e até em caso de mortes por doença, quando o tratamento disponibilizado no cárcere não for adequado às necessidades do custodiado.




A responsabilidade objetiva é aquela onde existe nexo causal entre o fato ocorrido ( morte) e a omissão ou ineficiência do Estado em garantir a integridade de presos sob sua custódia.  Segundo Silvio de Salvo Venosa “Para a caracterização do dever de indenizar devem estar presentes os requisitos clássicos: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e, finalmente, culpa, e segue... A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro. Em casos excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o juiz poderá concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina”.


O Estado é o detentor do monopólio da execução penal ou da prisão cautelar de sentenciados ou acusados de conduta criminosa, portanto, tem o dever de garantir o respeito da integridade moral e física daqueles que detêm a custódia.

SÍLVIO RODRIGUES in Direito Civil, Volume IV, Editora Saraiva, 19ª Edição, São Paulo, 2002, p. 10, esclarece que.... “Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente”.

Na responsabilidade objetiva, determinada pessoa que, em virtude do desenvolvimento de sua atividade, cria risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa, conhecida por Teoria do Risco.

Indenização em caso de morte de preso


Havendo negligência ou ineficiência do sistema responsável pela custódia, e ocorrendo o evento morte de seus custodiados, causado por desavenças internas, rebeliões, onde o preso é vitima de homicídio, ocasiona a responsabilidade do Estado em indenizar familiares de preso morto, pois, ele, o Estado, deve garantir a manutenção da integridade física e moral daqueles que  tem sob sua guarda. Até mesmo em caso de suicídio e tratamento de saúde inadequado na prisão gera o dever de indenizar.

Nossa Constituição Republicana consagrou tal entendimento, asseverando no bojo do §6º do art. 37 que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Nestes casos, o ônus da prova é invertido: ao Estado é que compete provar a existência de uma das causas de exclusão da responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou a força maior". (Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 282).

 O STJ já afirmou expressamente que se acolhe A TEORIA DO RISCO INTEGRAL (REsp 1.374.284), embora no STF tenha entendimento diverso. Diógenes Gasparini explicava com peculiar didática em que consistia a teoria do risco integral: "Por teoria do risco integral entende-se a que obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta, para caracterizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento.  (...) Responsabilidade objetiva prevista no art. 37§ 6º, da Constituição Federal abrange também os atos omissivos do Poder Público. (...) STF. 2ª Turma. RE 677283 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/04/2012.

A Constituição Federal consagra que: Art. 5º (...) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Assim, o Poder Público é responsável pelas mortes de seus custodiados, pois, sua omissão ou ineficiência em cumprir seu papel de proteção, assegurado na CF, gera o dano moral que deve ser indenizado.

O Min. Luiz Fux, do STF, afirma que"(...) sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do preso, é imperioso reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e o dano. Entendimento em sentido contrário implicaria a adoção da teoria do risco integral, não acolhida pelo texto constitucional (...)". Assim, o Estado não seria responsável pela indenização caso consiga provar que a morte do preso era inevitável.

Assim, a morte de detento gera responsabilidade civil objetiva para o Estado em decorrência da sua omissão específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pelo art. XLIX, da CF/88, pois, deve zelar pela segurança de seus custodiados, eis que detentor do direito de custódia e execução da pena imposta.

O dever de indenizar encontra respaldo mesmo em caso de morte por doença do preso, pois, se o tratamento médico que a Administração lhe oferece não é adequado, e por conta dessa omissão específica, ele veio à óbito, surge o dever de indenizar, eis que, nestes casos, existe violação ao art. 14 da LEP.

Demora na soltura do preso beneficiado com alvará de soltura e abuso de autoridade

Havendo  atraso no cumprimento de ordens de liberação de presos, seja por alvará de soltura, progressão de regime para um regime mais brando ou livramento condicional, nasce o direito de buscar o Judiciário para análise de eventual prejuízo que o preso teve em virtude da demora no cumprimento da determinação judicial.

O alvará de soltura é uma ordem que deve ser cumprida de imediato, em tempo razoável, entende-se por tempo razoável aquele tempo necessário para verificação de eventuais impedimentos em outros processos, ou seja, mandado de prisão existente em outros processos, ou condenação em regimes semiaberto ou aberto. Havendo mandado de prisão em outro processo, o preso não será colocado em liberdade, justificada, então, a manutenção da custódia. Em caso de ser beneficiado com alvará de soltura e haver condenação em regime aberto ou semiaberto, deverá proceder a adequação de regime, no mesmo prazo que seria cumprido o alvará de soltura. A demora injustificada, ainda que seja de apenas um dia, gera direito de indenização.

A Resolução nº 108 do CNJ estabelece o prazo de até 24 horas, não significa 24 horas, para colocação do preso em liberdade, prazo razoável para que se realize os procedimentos administrativos de soltura e cumprimento da ordem, havendo desrespeito a esse prazo, desde que injustificadamente, os Tribunais têm entendido que a prisão passou a ser uma prisão ilegal, portanto, deve ser indenizado. Vejamos:

TJBA – 80029234920178050001 – TJBA – Data da Publicação07/07/2018 – EMENTA – DEMORA NO CUMPRIMENTO DE ALVARÁ DE SOLTURA. DEVER DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

TJMG – Apelação Cível – 10105150137799001 MG – data da
publicação 09/07/2019, EMENTA – EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – ESTADO DEMINAS GERAIS – DEMORA INJUSTIFICADANO CUMPRIMENTO DE ALVARÁDE SOLTURA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – PRISÃO INDEVIDA – RESOLUÇÃO N. 108, CNJ – DANOS MORAIS CONFIGURADOS. 1-  A responsabilidade civil objetiva do Estado configura-se com os seguintes requisitos, em contemplação à teoria do risco administrativo e à repartição dos encargos sociais:  conduta administrativa; b) dano e; c) o nexo de causalidade. 2- a Resolução n. 108, CNJ,em seu art. 1o, prevê o prazo de 24 (vinte e quatro) horas como sendo o razoável para o cumprimento de alvará de soltura e para colocação do preso em liberdade provisória. 2- A demora injustificada na concessão de liberdade provisória ao preso, após a adequada expedição de alvará e soltura, constituiu ato ilícito de administração, capaz de ensejar dano moral e conseqüente indenização.

Existe abuso de autoridade quando não se cumpre uma ordem de liberação de preso ou alvará de soltura?

O abuso de autoridade surge quando os agentes públicos se valem de seus cargos, funções e mandatos eletivos para constranger ilegalmente os cidadãos, por motivos pessoais, egoísticos, por mero capricho, com intenção de prejudicar terceiros ou em benefício próprio ou alheio. Qualquer agente público é sujeito ativo do crime de abuso de autoridade. Os elementos subjetivos especiais ou dolos específicos ou elementos subjetivos do injusto trarão a gravidade necessária para justificar a tipificação das condutas de abuso de autoridade. Como dito, o dolo especifico deve conter as seguintes intenções do agente público: prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo, beneficiar terceiro, por mero capricho e por satisfação pessoal, o que tornará difícil a  comprovação do requisito subjetivo exigido para classificação da conduta.

A ineficiência ou omissão do Poder Público em atender presos doentes (que venham a falecer em virtude do tratamento inadequado na prisão), evitar mortes, até mesmo suicídios, e atrasos injustificáveis para soltura ou transferência de presos aos regimes mais brandos, quando devidamente determinado pela autoridade judicial, geram o dever de indenizar, pois, se o Estado detém o monopólio do cumprimento da pena e da prisão, deve funcionar adequadamente e de acordo com os princípios das nossas leis e princípios constitucionais.



Postagem em destaque

Quando deve ser cumprido um alvará de soltura?

  ALVARÁ DE SOLTURA   Alvará de Soltura é o instrumento processual utilizado pelo juiz de direito para colocar a pessoa presa em liberdad...