(Por Dr. Enver Merege Filho - Psicólogo/ Perito credenciado do TJMS e Dr. Luan Ojeda - Advogado)
O Processo Penal brasileiro é
regido por normas que seguem os preceitos da Constituição da República de 1988,
tais como: devido processo legal, presunção de inocência, ampla defesa e
contraditório.
Na persecução penal, há um rito a
ser seguido, o qual, desde o início do inquérito policial até a sentença e
eventual cumprimento desta, deve ser carreado por provas e circunstâncias
probatórias que indicam fatos ou situações que servem de base para um julgamento,
um rumo de investigação, a concessão de algum benefício etc.
Um dos mais importantes
instrumentos que dão supedâneo às atitudes supracitadas é o laudo pericial. Tal
meio de prova pode embasar a decisão do Juiz quando da concessão do livramento
condicional, progressão de regime de cumprimento da reprimenda, liberdade
provisória, aplicação de medida de segurança em sentença absolutória imprópria
e mesmo na aplicação de atenuantes ou agravantes da pena.
Hodiernamente, os laudos
periciais, na esfera criminal, ainda têm papel coadjuvante, não sendo
devidamente explorados como um poderoso recurso de defesa, servindo
essencialmente para exames toxicológicos, de insanidade mental, ou mesmo para
concessão de benesses no cumprimento da sentença, a fim de avaliar os
requisitos subjetivos para gozo destas.
A título de exemplo: merece a
mesma reprimenda uma pessoa que furta algo, pois a ocasião lhe foi auspiciosa,
e aquela que, acometida por transtorno da saúde mental, é impulsionada a furtar
algo para saciar um impulso que lhe dá prazer, não obstante este ser
insuficiente para prejudicar sua autodeterminação? Nota-se que no segundo caso,
apesar da pessoa ser acometida por transtorno da saúde mental, não poderá
receber o benefício da diminuição de pena, pois não tem sua autodeterminação
reduzida. Ocorre que, por óbvio, os dois exemplos merecem reprimendas diversas,
pois um praticou o ato ilícito por conveniência, já o segundo praticou por
impulso do transtorno da saúde mental que lhe acomete. Verifica-se no caso em
testilha que é curial a existência da análise psicológica para fundamentar tal
diferença na aplicação de pena.
Relatada a importância das
periciais no Processo Penal, passo à explanação da elaboração dos laudos
periciais, suas peculiaridades e cuidados que devem ser tomados quando da
análise de cada caso.
Os laudos periciais devem seguir
padrões pré-estabelecidos quando de sua exposição. Em geral, é conveniente que
as perícias sejam seguidas por duas fases: aplicação de testes psicométricos
(TIG-NV, EFN, EFS, BFP e Palográfico) e a entrevista objetiva (qualificação do
examinado, anamnese, entrevista específica a respeito do crime e circunstâncias
pessoais). Ademais, deve conter outros requisitos como os instrumentos
utilizados para se chegar ao diagnóstico, resposta aos quesitos, conforme a
DSM-IV determina.
É importante que o Perito guarde
tempo suficiente para realizar uma perícia de forma eficaz, angariando
informações necessárias para obter base bastante a fim de diagnosticar uma
personalidade como acometida ou não por alguma doença mental, transtorno da
saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Ressalta-se que o profissional
que realiza o exame deve saber previamente: dados do processo, informações
básicas a respeito do examinado, os quesitos apresentados por cada uma das
partes do processo e a finalidade da perícia, a fim de que aquela seja
direcionada para esse intuito, aplicando-se os testes adequados, investigando
as características importantes para o fim colimado e tentando identificar os
vícios de personalidade, comportamento e mesmo de consciência.
Ponderados os pontos gerais das
perícias, exponho as mais importantes.
·
Exame toxicológico
Nesta entrevista objetiva, o
examinador deve estar atento para características físicas do examinado como:
sinais de uso de drogas nas mãos, sinais de ansiedade expostos por autoagressão
(unhas roídas, cutículas arrancadas, lábios mordidos), peso abaixo do adequado
para a estatura, sinais de pouco asseio ou características de uma pessoa
descuidada com a própria aparência.
Ademais, o examinado poderá
apresentar, dependendo do tipo de droga utilizada, bradpsiquismo,
hipervigilância e hipertenacidade ou hipovigilância e hipotenacidade, humor
irritadiço, ansioso e descontrole do comportamento.
Nos testes, devem ser observadas
as características de socialização, pois é recorrente o histórico de isolamento
social das pessoas que são acometidos pela dependência do uso de drogas (pode
ser avaliado pelo exame BFP ou EFS), além de seu fator cognitivo que geralmente
sofre prejuízo quando o uso das drogas torna-se dependência (avaliado no exame
TIG-NV).
Frise-se que dificilmente serão
constatados sinais de abstinência física durante a perícia, desta forma é
conveniente observar o relatório de atendimentos médicos do paciente no
Estabelecimento Penal.
Seguindo tais passos, é possível
chegar a um diagnóstico conclusivo a respeito da dependência do uso de
substâncias entorpecentes, uso habitual ou uso eventual desta.
·
Exame de insanidade mental
Tal exame é mais complexo, pois
visa avaliar a personalidade do indivíduo como um todo, investigando se há
doença mental, transtorno da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado.
Nesse caso, todas as
características físicas devem ser observadas e é conveniente que todos os
exames sejam aplicados (principalmente o BFP e IHS), não menosprezando a
anamnese e avaliação das características pessoais do examinado, com relação ou
não ao crime que este é acusado.
Insta frisar que, porventura
atitudes são confundidas com a personalidade, o que não condiz com a realidade.
Atitudes são condutas tomadas, dotadas por uma gama de características que nem
sempre levam a pessoa a agir da forma que condiz com sua realidade pessoal. A
personalidade pode ser mais bem avaliada com relação aos hábitos da pessoa,
porém dificilmente pode se presumir uma personalidade embasando-se nas atitudes
isoladas dela, assim o examinador deve avaliar os motivos que levaram o
examinado a praticar determinadas condutas, se já praticou outras vezes ou se
teve vontade de praticá-la.
Eventualmente a entrevista pode
sofrer prejuízo no material coletado quando o examinado sofre de grave
perturbação da consciência (alteração qualitativa, obnubilação da consciência)
e distúrbios sensoperceptivos (surtos psicóticos como distorções de
intensidade, ilusões ou alucinações), situação que geralmente acontece quando o
avaliado é acometido por esquizofrenia ou retardo mental médio ou grave.
·
Exame criminológico
Este exame tem a finalidade
específica de avaliar a personalidade do examinado, a fim de concluir se este
se encontra apto a obter a liberdade ou a progressão para um regime menos
rigoroso, sem que seja um perigo à sociedade além do que esta deve suportar.
Neste caso, os testes
psicométricos convenientes para aplicação são os que avaliam o grau de
socialização deste e características importantes que são englobadas pelo neuroticismo
da personalidade (BFP, IHS, EFN, EFS), sendo interessante também a aplicação do
TIG-NV, vez que baixos coeficientes de inteligência tendem a se apresentar em
pessoas mais rudes, facilmente manipuláveis e que não sabem lidar com qualquer
tipo de situação.
A entrevista objetiva deve
explorar seu histórico, porém, vez que a finalidade é avaliar o estado atual do
examinado e sua aptidão para progressão de regime ou livramento condicional,
retomando parcela de sua liberdade, não é necessária a devassa total do passado
deste, não visando pequenos traumas de infância nem situações que não sejam
capazes de alterar a personalidade ou seus hábitos.
·
Exame de cessação de pericusosidade
Tal exame é realizado com o
intuito específico de ter conhecimento a respeito do grau de periculosidade do
examinado. Este só é determinando quando aplicada absolvição imprópria ao caso
processado, a qual consiste na constatação da inocência do examinado, vez que
este praticou a conduta ilícita alienado de seu entendimento ou
autodeterminação, ou seja, ele praticou o ato, porém não tinha qualquer
possibilidade de entender o caráter ilícito do ato praticado nem podia se
controlar de acordo com o que entendia por ilícito.
Usualmente, as pessoas que são
submetidas ao exame de cessação de periculosidade já estão em tratamento médico
adequado para a doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado
que as acometem; desta forma é frequente os quesitos indagando se o tratamento
vem sendo eficaz, se o examinado apresentou melhora no quadro que apresentava
quando da prática do ato ilícito.
Os testes aplicáveis neste exame
variam de acordo com o quadro do examinado, porém o Palográfico, TIG-NV, o BFP
e o EFN são adequados para avaliação da periculosidade, consciência e fator
cognitivo do examinado, tornando-os mais indicados para tal perícia.
Feita a qualificação do
examinado, a anamnese, o histórico pessoal e criminológico, o diagnóstico,
chega-se à parte principal da perícia: a resposta aos quesitos.
É notável, no meio jurídico, a
resposta extremamente objetiva que os peritos dão às indagações realizadas
pelas partes do processo. Ocorre que respostas diretas, assim como uma decisão
judicial não fundamentada, podem causar sentimento de injustiça e mesmo
desconfiança a respeito da conclusão exarada no processo, assim sendo forçosa a
fundamentação das respostas apresentadas a cada um dos quesitos, vez que desta
forma não se chegaria à conclusão de que alguém é acometido por tal doença,
pois o Perito assim o disse, mas porque tal pessoa preenche as características
apresentadas por alguém que é portador de tal doença, sendo uma conclusão
lógica e irrefutável, o que não ocorre quando as respostas são diretas e objetivas,
causando impressão autoritária e ditatorial.
No entanto, ressalta-se que o
Perito não pode tecer comentários muito além do que foi solicitado, vez que
este é auxiliar do Juízo e deve cumprir seu encargo de forma objetiva, concisa
e visando o fim colimado, sendo possível ser detalhista apenas quando lhe é
indagado, como eventualmente as partes o fazem: “Queira o senhor Perito
especificar algo que seja importante ao caso em tela”.
Por fim, é importante ressaltar
que o trabalho do Perito Psicólogo em conjunto com um profissional da área do
Direito, com experiência na área, é extremamente aconselhável, vez que desta
forma é possível fazer uma ponte de entendimento entre o profissional Psicólogo
e as partes do processo, quando da elaboração do laudo pericial, pois a
princípio cada parte está habituada com sua área específica (o Promotor,
Defensor, Juiz com a área do Direito e o Psicólogo com a área das patologias
mentais), o que poderia dificultar no entendimento de qualquer das partes, dada
a especificidade técnica que cada um tem. Assim, aquele profissional poderá
simplificar o trabalho tanto do Psicólogo como das partes do processo, dando
maior confiabilidade nas decisões embasadas nos laudos e informações fornecidas
ao Juízo.
Estes são os preceitos que o
Perito Psicólogo deve seguir quando da realização de uma perícia criminal a fim
de elaborar um laudo que preenche as exigências da DSM-IV e que seja uma
importante ferramenta como meio de prova no processo criminal, o que torna tal
instrumento cada vez mais importante e explorado em tal âmbito, pois porta
singular imprescindibilidade em determinados casos.