quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

O ESTADO DEVE INDENIZAR O PRESO OU FAMILIAR EM CASO DE DEMORA NO CUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL OU EM CASO DE MORTE DE PRESO


Os Tribunais Brasileiros têm decidido que existe responsabilidade objetiva do ente estatal em caso de demora injustificada no cumprimento de determinação judicial de soltura ou progressão de regime de custodiados. Mesmo entendimento judicial tem fixado indenização a familiar de presos mortos em virtude de homicídios ocorridos durante a prisão, e até em caso de mortes por doença, quando o tratamento disponibilizado no cárcere não for adequado às necessidades do custodiado.




A responsabilidade objetiva é aquela onde existe nexo causal entre o fato ocorrido ( morte) e a omissão ou ineficiência do Estado em garantir a integridade de presos sob sua custódia.  Segundo Silvio de Salvo Venosa “Para a caracterização do dever de indenizar devem estar presentes os requisitos clássicos: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e, finalmente, culpa, e segue... A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro. Em casos excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o juiz poderá concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina”.


O Estado é o detentor do monopólio da execução penal ou da prisão cautelar de sentenciados ou acusados de conduta criminosa, portanto, tem o dever de garantir o respeito da integridade moral e física daqueles que detêm a custódia.

SÍLVIO RODRIGUES in Direito Civil, Volume IV, Editora Saraiva, 19ª Edição, São Paulo, 2002, p. 10, esclarece que.... “Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente”.

Na responsabilidade objetiva, determinada pessoa que, em virtude do desenvolvimento de sua atividade, cria risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa, conhecida por Teoria do Risco.

Indenização em caso de morte de preso


Havendo negligência ou ineficiência do sistema responsável pela custódia, e ocorrendo o evento morte de seus custodiados, causado por desavenças internas, rebeliões, onde o preso é vitima de homicídio, ocasiona a responsabilidade do Estado em indenizar familiares de preso morto, pois, ele, o Estado, deve garantir a manutenção da integridade física e moral daqueles que  tem sob sua guarda. Até mesmo em caso de suicídio e tratamento de saúde inadequado na prisão gera o dever de indenizar.

Nossa Constituição Republicana consagrou tal entendimento, asseverando no bojo do §6º do art. 37 que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Nestes casos, o ônus da prova é invertido: ao Estado é que compete provar a existência de uma das causas de exclusão da responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou a força maior". (Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 282).

 O STJ já afirmou expressamente que se acolhe A TEORIA DO RISCO INTEGRAL (REsp 1.374.284), embora no STF tenha entendimento diverso. Diógenes Gasparini explicava com peculiar didática em que consistia a teoria do risco integral: "Por teoria do risco integral entende-se a que obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta, para caracterizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento.  (...) Responsabilidade objetiva prevista no art. 37§ 6º, da Constituição Federal abrange também os atos omissivos do Poder Público. (...) STF. 2ª Turma. RE 677283 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/04/2012.

A Constituição Federal consagra que: Art. 5º (...) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Assim, o Poder Público é responsável pelas mortes de seus custodiados, pois, sua omissão ou ineficiência em cumprir seu papel de proteção, assegurado na CF, gera o dano moral que deve ser indenizado.

O Min. Luiz Fux, do STF, afirma que"(...) sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do preso, é imperioso reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e o dano. Entendimento em sentido contrário implicaria a adoção da teoria do risco integral, não acolhida pelo texto constitucional (...)". Assim, o Estado não seria responsável pela indenização caso consiga provar que a morte do preso era inevitável.

Assim, a morte de detento gera responsabilidade civil objetiva para o Estado em decorrência da sua omissão específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pelo art. XLIX, da CF/88, pois, deve zelar pela segurança de seus custodiados, eis que detentor do direito de custódia e execução da pena imposta.

O dever de indenizar encontra respaldo mesmo em caso de morte por doença do preso, pois, se o tratamento médico que a Administração lhe oferece não é adequado, e por conta dessa omissão específica, ele veio à óbito, surge o dever de indenizar, eis que, nestes casos, existe violação ao art. 14 da LEP.

Demora na soltura do preso beneficiado com alvará de soltura e abuso de autoridade

Havendo  atraso no cumprimento de ordens de liberação de presos, seja por alvará de soltura, progressão de regime para um regime mais brando ou livramento condicional, nasce o direito de buscar o Judiciário para análise de eventual prejuízo que o preso teve em virtude da demora no cumprimento da determinação judicial.

O alvará de soltura é uma ordem que deve ser cumprida de imediato, em tempo razoável, entende-se por tempo razoável aquele tempo necessário para verificação de eventuais impedimentos em outros processos, ou seja, mandado de prisão existente em outros processos, ou condenação em regimes semiaberto ou aberto. Havendo mandado de prisão em outro processo, o preso não será colocado em liberdade, justificada, então, a manutenção da custódia. Em caso de ser beneficiado com alvará de soltura e haver condenação em regime aberto ou semiaberto, deverá proceder a adequação de regime, no mesmo prazo que seria cumprido o alvará de soltura. A demora injustificada, ainda que seja de apenas um dia, gera direito de indenização.

A Resolução nº 108 do CNJ estabelece o prazo de até 24 horas, não significa 24 horas, para colocação do preso em liberdade, prazo razoável para que se realize os procedimentos administrativos de soltura e cumprimento da ordem, havendo desrespeito a esse prazo, desde que injustificadamente, os Tribunais têm entendido que a prisão passou a ser uma prisão ilegal, portanto, deve ser indenizado. Vejamos:

TJBA – 80029234920178050001 – TJBA – Data da Publicação07/07/2018 – EMENTA – DEMORA NO CUMPRIMENTO DE ALVARÁ DE SOLTURA. DEVER DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

TJMG – Apelação Cível – 10105150137799001 MG – data da
publicação 09/07/2019, EMENTA – EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – ESTADO DEMINAS GERAIS – DEMORA INJUSTIFICADANO CUMPRIMENTO DE ALVARÁDE SOLTURA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – PRISÃO INDEVIDA – RESOLUÇÃO N. 108, CNJ – DANOS MORAIS CONFIGURADOS. 1-  A responsabilidade civil objetiva do Estado configura-se com os seguintes requisitos, em contemplação à teoria do risco administrativo e à repartição dos encargos sociais:  conduta administrativa; b) dano e; c) o nexo de causalidade. 2- a Resolução n. 108, CNJ,em seu art. 1o, prevê o prazo de 24 (vinte e quatro) horas como sendo o razoável para o cumprimento de alvará de soltura e para colocação do preso em liberdade provisória. 2- A demora injustificada na concessão de liberdade provisória ao preso, após a adequada expedição de alvará e soltura, constituiu ato ilícito de administração, capaz de ensejar dano moral e conseqüente indenização.

Existe abuso de autoridade quando não se cumpre uma ordem de liberação de preso ou alvará de soltura?

O abuso de autoridade surge quando os agentes públicos se valem de seus cargos, funções e mandatos eletivos para constranger ilegalmente os cidadãos, por motivos pessoais, egoísticos, por mero capricho, com intenção de prejudicar terceiros ou em benefício próprio ou alheio. Qualquer agente público é sujeito ativo do crime de abuso de autoridade. Os elementos subjetivos especiais ou dolos específicos ou elementos subjetivos do injusto trarão a gravidade necessária para justificar a tipificação das condutas de abuso de autoridade. Como dito, o dolo especifico deve conter as seguintes intenções do agente público: prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo, beneficiar terceiro, por mero capricho e por satisfação pessoal, o que tornará difícil a  comprovação do requisito subjetivo exigido para classificação da conduta.

A ineficiência ou omissão do Poder Público em atender presos doentes (que venham a falecer em virtude do tratamento inadequado na prisão), evitar mortes, até mesmo suicídios, e atrasos injustificáveis para soltura ou transferência de presos aos regimes mais brandos, quando devidamente determinado pela autoridade judicial, geram o dever de indenizar, pois, se o Estado detém o monopólio do cumprimento da pena e da prisão, deve funcionar adequadamente e de acordo com os princípios das nossas leis e princípios constitucionais.



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