Os Tribunais Brasileiros têm
decidido que existe responsabilidade objetiva do ente estatal em caso de demora
injustificada no cumprimento de determinação judicial de soltura ou progressão
de regime de custodiados. Mesmo entendimento judicial tem fixado indenização a
familiar de presos mortos em virtude de homicídios ocorridos durante a prisão,
e até em caso de mortes por doença, quando o tratamento disponibilizado no cárcere
não for adequado às necessidades do custodiado.
A responsabilidade objetiva
é aquela onde existe nexo causal entre o fato ocorrido ( morte) e a omissão ou
ineficiência do Estado em garantir a integridade de presos sob sua custódia. Segundo Silvio de Salvo Venosa “Para a caracterização do dever de
indenizar devem estar presentes os requisitos clássicos: ação ou omissão
voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e, finalmente, culpa, e
segue... A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente
pode ser aplicada quando existe lei expressa que autorize. Portanto, na
ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva,
pois esta é a regra geral no direito brasileiro. Em casos excepcionais, levando
em conta os aspectos da nova lei, o juiz poderá concluir pela responsabilidade
objetiva no caso que examina”.
O Estado é o detentor do
monopólio da execução penal ou da prisão cautelar de sentenciados ou acusados
de conduta criminosa, portanto, tem o dever de garantir o respeito da
integridade moral e física daqueles que detêm a custódia.
SÍLVIO
RODRIGUES in Direito Civil, Volume IV, Editora Saraiva, 19ª Edição, São Paulo, 2002, p.
10, esclarece que.... “Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa
do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista
relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do
agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não
culposamente”.
Na responsabilidade objetiva,
determinada pessoa que, em virtude do desenvolvimento de sua atividade, cria risco de dano para terceiros deve ser
obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos
de culpa, conhecida por Teoria do Risco.
Indenização
em caso de morte de preso
Havendo negligência ou ineficiência do sistema responsável
pela custódia, e ocorrendo o evento morte de seus custodiados, causado por
desavenças internas, rebeliões, onde o preso é vitima de homicídio, ocasiona a
responsabilidade do Estado em indenizar familiares de preso morto, pois, ele, o
Estado, deve garantir a manutenção da integridade física e moral daqueles
que tem sob sua guarda. Até mesmo em
caso de suicídio e tratamento de saúde inadequado na prisão gera o dever de
indenizar.
Nossa
Constituição Republicana consagrou tal entendimento, asseverando no bojo do §6º
do art. 37 que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Nestes casos, o ônus da prova é
invertido: ao Estado é que compete provar a existência de uma das causas de
exclusão da responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito
ou a força maior". (Responsabilidade
Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994. p. 282).
O STJ já afirmou expressamente que se acolhe A
TEORIA DO RISCO INTEGRAL (REsp 1.374.284), embora no STF tenha entendimento
diverso. Diógenes Gasparini explicava com peculiar didática em que consistia a
teoria do risco integral: "Por teoria do risco integral entende-se a que
obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no
respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa da vítima na
produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa
responsabilidade. Basta, para caracterizar a obrigação de indenizar, o simples
envolvimento do Estado no evento. (...) Responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Constituição
Federal abrange também os atos omissivos do
Poder Público. (...) STF. 2ª Turma. RE 677283 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgado em 17/04/2012.
A Constituição Federal
consagra que: Art. 5º (...) XLIX - é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Assim, o Poder Público é responsável pelas mortes de
seus custodiados, pois, sua omissão ou ineficiência em cumprir seu papel de
proteção, assegurado na CF, gera o dano moral que deve ser indenizado.
O Min. Luiz Fux, do STF, afirma que"(...) sendo inviável a
atuação estatal para evitar a morte do preso, é imperioso reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e o
dano. Entendimento em sentido contrário implicaria a adoção da teoria do
risco integral, não acolhida pelo texto
constitucional (...)". Assim, o Estado não seria
responsável pela indenização caso consiga provar que a morte do preso era
inevitável.
Assim, a morte de detento gera
responsabilidade civil objetiva para o Estado em decorrência da sua omissão
específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto
pelo art. 5º, XLIX,
da CF/88,
pois, deve zelar pela segurança de seus custodiados, eis que detentor do
direito de custódia e execução da pena imposta.
O dever de indenizar encontra respaldo mesmo em caso de morte por doença
do preso, pois, se o tratamento médico que a Administração lhe oferece não é
adequado, e por conta dessa omissão específica, ele veio à óbito, surge o dever
de indenizar, eis que, nestes casos, existe violação ao art. 14 da LEP.
Demora na soltura
do preso beneficiado com alvará de soltura e abuso de autoridade
Havendo atraso no cumprimento de ordens de liberação
de presos, seja por alvará de soltura, progressão de regime para um regime mais
brando ou livramento condicional, nasce o direito de buscar o Judiciário para
análise de eventual prejuízo que o preso teve em virtude da demora no
cumprimento da determinação judicial.
O alvará de soltura é uma
ordem que deve ser cumprida de imediato, em tempo razoável, entende-se por
tempo razoável aquele tempo necessário para verificação de eventuais
impedimentos em outros processos, ou seja, mandado de prisão existente em
outros processos, ou condenação em regimes semiaberto ou aberto. Havendo
mandado de prisão em outro processo, o preso não será colocado em liberdade,
justificada, então, a manutenção da custódia. Em caso de ser beneficiado com
alvará de soltura e haver condenação em regime aberto ou semiaberto, deverá
proceder a adequação de regime, no mesmo prazo que seria cumprido o alvará de
soltura. A demora injustificada, ainda que seja de apenas um dia, gera direito
de indenização.
A Resolução nº 108 do CNJ
estabelece o prazo de até 24 horas,
não significa 24 horas, para colocação do preso em liberdade, prazo
razoável para que se realize os procedimentos administrativos de soltura e
cumprimento da ordem, havendo desrespeito a esse prazo, desde que
injustificadamente, os Tribunais têm entendido que a prisão passou a ser uma
prisão ilegal, portanto, deve ser indenizado. Vejamos:
TJBA – 80029234920178050001 – TJBA – Data da Publicação07/07/2018
– EMENTA – DEMORA NO CUMPRIMENTO DE ALVARÁ DE SOLTURA. DEVER DE INDENIZAR.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
TJMG – Apelação Cível – 10105150137799001 MG – data da
publicação 09/07/2019, EMENTA – EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL –
ESTADO DEMINAS GERAIS – DEMORA INJUSTIFICADANO CUMPRIMENTO DE ALVARÁDE SOLTURA –
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – PRISÃO INDEVIDA – RESOLUÇÃO N. 108, CNJ –
DANOS MORAIS CONFIGURADOS. 1- A
responsabilidade civil objetiva do Estado configura-se com os seguintes
requisitos, em contemplação à teoria do risco administrativo e à repartição dos
encargos sociais: conduta
administrativa; b) dano e; c) o nexo de causalidade. 2- a Resolução n. 108,
CNJ,em seu art. 1o, prevê o prazo de 24 (vinte e quatro) horas como sendo o
razoável para o cumprimento de alvará de soltura e para colocação do preso em
liberdade provisória. 2- A demora injustificada na concessão de liberdade
provisória ao preso, após a adequada expedição de alvará e soltura, constituiu
ato ilícito de administração, capaz de ensejar dano moral e conseqüente
indenização.
Existe
abuso de autoridade quando não se cumpre uma ordem de liberação de preso ou
alvará de soltura?
O abuso de
autoridade surge quando os agentes públicos se valem de seus cargos, funções e
mandatos eletivos para constranger ilegalmente os cidadãos, por motivos
pessoais, egoísticos, por mero capricho, com intenção de prejudicar terceiros ou
em benefício próprio ou alheio. Qualquer agente público é sujeito ativo
do crime de abuso de autoridade. Os elementos subjetivos especiais ou dolos
específicos ou elementos subjetivos do injusto trarão a gravidade necessária
para justificar a tipificação das condutas de abuso de autoridade.
Como dito, o dolo especifico deve conter as seguintes intenções do agente
público: prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo, beneficiar
terceiro, por mero capricho e por satisfação pessoal, o que tornará difícil a comprovação do requisito subjetivo exigido
para classificação da conduta.
A ineficiência ou omissão do
Poder Público em atender presos doentes (que venham a falecer em virtude do
tratamento inadequado na prisão), evitar mortes, até mesmo suicídios, e atrasos
injustificáveis para soltura ou transferência de presos aos regimes mais
brandos, quando devidamente determinado pela autoridade judicial, geram o dever
de indenizar, pois, se o Estado detém o monopólio do cumprimento da pena e da
prisão, deve funcionar adequadamente e de acordo com os princípios das nossas
leis e princípios constitucionais.