O Município de Campo Grande deve garantir o retorno ao cargo de servidor do quadro permanente quando aprovado em outro cargo público inacumulável. O ente estatal deve nortear seus atos observando o principio constitucional da legalidade, entre outros, assim decidiu o Juízo da Vara de Fazenda Pública de Campo Grande/MS.
Aprovado em CONCURSO, em cargo público de outro ente estatal, e tendo requerido vacância do cargo durante o período de estágio probatório no novo cargo, o Município negou o requerimento do servidor, asseverando que o Município não teria legislação que garantisse esse direito, e que a legislação municipal, previa o retorno somente em cargo do próprio município, e em prazo de 180 dias, e que portanto, o servidor deveria ser exonerado, para assumir novo cargo.
Inconformado com essa decisão administrativa, o requerente ajuizou ação de mandado de segurança para garantir a manutenção do seu vinculo com o Município até que fosse aprovado no estágio probatório do novo cargo que tomou posse, que não era da Prefeitura, alegando que seu direito era liquido e certo, pois, esse direito é constitucional, ademais, a legislação municipal, tem previsão de retorno quando a posse se der em outro cargo inacumulável, e que a previsão de retorno em prazo de 180 dias era para retorno em cargo do próprio Município, portanto, não se aplicaria ao autor da ação.
Vejamos trechos da sentença de mérito:
Decido.
Dispõe a Lei n.º 12.016/2009:
Art. 1º Conceder-se-á
mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por
habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder,
qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de
sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem
as funções que exerça. Direito líquido e certo é aquele demonstrado de plano,
que não depende de dilação probatória. Na definição de Hely Lopes Meirelles:
(...) é o que se
apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser
exercitado no momento da impetração (...): se a sua existência for duvidosa; se
a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de
situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora
possa ser definido por outros meios judiciais. (Mandado de Segurança, São
Paulo, Malheiros Editores, 2008, p.38/39).
O mandado de
segurança tem justamente o objetivo de impedir o perecimento de um direito que
tem condições de ser amplamente exercido, mas é impedido de se concretizar pela
prática de um ato ilegal por autoridade. Conceitualmente, para a concessão de
mandado de segurança, é necessária a existência de um ato concreto emanado da
autoridade coatora, que viole ou estabeleça o risco de violação de um direito
líquido e certo. Este ato é o objeto do mandado de segurança, que se destina a
suspender seus efeitos, evitando, assim, a lesão do direito.
No caso em tela, o impetrante pleiteou administrativamente a
declaração de vacância do cargo de Fiscal Sanitário em razão da posse em outro
cargo inacumulável, o que foi indeferido sob o seguinte fundamento: "(...)
Ocorre que, na legislação vigente, tanto no âmbito federal, qual seja, a
Constituição Federal de 1988, quanto no âmbito municipal, Lei Complementar nº
190, de 22 de dezembro de 2011, não há a previsão de readmissão de servidor
exonerado voluntariamente. (...)
Sendo assim, o servidor que pedir exoneração, tem o prazo de
180 (cento e oitenta) dias para retorno ao cargo, caso seja para tomar posse em
outro cargo do quadro de pessoal da Prefeitura Municipal de Campo Grande. (...)
Assim, conforme já explanado, para que o requerente retorne
ao Quadro Permanente desta Prefeitura, necessária se faz a aprovação em
concurso público.
Diante do exposto, opinamos pelo INDEFERIMENTO do presente
pedido, por falta de amparo legal." (p.46-50) A Lei Complementar nº 190,
de 22 de dezembro de 2011, que dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos
Servidores Públicos do Município de Campo Grande, estabelece:
Art. 16. São formas de provimento de cargo público efetivo:
I - nomeação;
II - recondução;
III - reintegração;
IV - reversão;
V - aproveitamento;
VI - promoção;
VII - readaptação definitiva. ...
Art. 22. Recondução é
o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado, e decorrerá:
I - por inabilitação
no estágio probatório no cargo em que tenha sido empossado;
II - reintegração do
ocupante anterior.
Parágrafo único. Encontrando-se provido o cargo de origem, o
servidor será aproveitado em outro, observando os dispositivos deste Estatuto.
...
Art. 45. A vacância do cargo público decorrerá de:
I - exoneração, a
pedido ou de ofício;
II - demissão;
III - readaptação definitiva;
IV - aposentadoria;
V - falecimento;
VI - promoção;
VII - posse em outro cargo inacumulável.
Parágrafo único. O servidor que pedir exoneração para tomar posse em outro cargo do quadro de
pessoal de Poder do Município inacumulável com o da posse, poderá
solicitar o seu retorno ao cargo anterior, até cento e oitenta dias da
investidura no novo cargo. (negritamos)
Verifica-se que a legislação de regência dispõe que uma das
formas de vacância do cargo público é a posse do servidor em outro cargo inacumulável.
No caso em tela, o impetrante – servidor público municipal
estável – foi aprovado e tomou posse no cargo de Auditor Estadual de Controle
Externo do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul.
Para que lhe seja garantido o direito à reversão ao cargo de
Fiscal Sanitário, caso seja inabilitado no estágio probatório do cargo de
Auditor Estadual, pleiteou administrativamente o reconhecimento da vacância do
cargo anteriormente ocupado.
Com razão o impetrante, pois faz jus a esta modalidade de
afastamento do cargo público.
Observa-se que o Estatuto do Servidor Público
Municipal replicou a regra contida no Estatuto do Servidor Público Federal. O
Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de caso semelhante, mas referente a
servidor público federal, firmou o seguinte entendimento: MANDADO DE SEGURANÇA.
SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL ESTÁVEL. ESTÁGIO PROBATÓRIO EM OUTRO CARGO PÚBLICO DE
REGIME JURÍDICO DISTINTO. RECONDUÇÃO AO CARGO ANTERIORMENTE OCUPADO.
POSSIBILIDADE.
1. Da leitura dos dispositivos relacionados à vacância (art. 33)
e à recondução (art. 29) de servidor público na Lei n. 8.112/1990, verifica-se
que a redação da norma não faz referência ao regime jurídico do novo cargo em
que empossado o agente público.
2. O servidor público federal somente faz jus a
todos os benefícios e prerrogativas do cargo após adquirir a estabilidade, cujo
prazo - após a alteração promovida pela EC n. 19/2008, passou a ser de 3 anos -
repercute no do estágio probatório.
3. O vínculo jurídico com o serviço público
originário somente se encerra com a aquisição da estabilidade no novo regime
jurídico.
4. A Administração tem a obrigação de agir com dever de cuidado
perante o administrado, não lhe sendo lícito infligir a ele nenhuma obrigação
ou dever que não esteja previsto em lei e que não tenha a finalidade ou
motivação de atender ao interesse público, corolário da ponderação dos
princípios constitucionais da supremacia do interesse público, da legalidade,
da finalidade, da moralidade, da boa-fé objetiva e da razoabilidade.
5. Não se
deve impor ao servidor público federal abrir mão do cargo no qual se encontra
estável, quando empossado em outro cargo público inacumulável de outro regime
jurídico, antes de alcançada a nova estabilidade, por se tratar de situação
temerária, diante da possibilidade de não ser o agente público aprovado no
estágio probatório referente ao novo cargo.
6. Para evitar essa situação - que
em nada atende ao interesse público, mas querepresenta um prejuízo
incomensurável ao cidadão que, ao optar por tomar posse em cargo de outro
regime jurídico, não logra aprovação no estágio probatório ou desiste antes do
encerramento do período de provas, ficando sem quaisquer dos cargos -, deve
prevalecer a orientação de que o vínculo permanece até a nova estabilidade, permitindo
a aplicação dos institutos da vacância e da recondução.
7. A doutrina de José
dos Santos Carvalho Filho é no sentido de admitir a possibilidade de o servidor
público federal estável, após se submeter a estágio probatório em cargo de
outro regime, requerer sua recondução ao cargo federal, antes do encerramento
do período de provas, ou seja, antes de adquirida a estabilidade no novo
regime.
8. O servidor público federal, diante de uma interpretação sistemática
da Lei n. 8.112/1990, mormente em face do texto constitucional, tem direito
líquido e certo à vacância quando tomar posse em cargo público,
independentemente do regime jurídico do novo cargo, não podendo, em razão
disso, ser exonerado antes da estabilidade no novo cargo.
9. Uma vez
reconhecido o direito à vacância (em face da posse em novo cargo não
acumulável), deve ser garantido ao agente público, se vier a ser inabilitado no
estágio probatório ou se dele desistir, a recondução ao cargo originariamente
investido.
10. O direito de o servidor, aprovado em concurso público, estável,
que presta novo concurso e, aprovado, é nomeado para cargo outro, retornar ao
cargo anterior ocorre enquanto estiver sendo submetido ao estágio probatório no
novo cargo: Lei 8.112/90, art. 20, § 2º. É que, enquanto não confirmado no
estágio do novo cargo, não estará extinta a situação anterior (MS n. 24.543/DF,
Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJU 12/9/2003). (...)
(.........)
14. Diante da nova interpretação a respeito dos institutos
da vacância (pela posse em cargo público inacumulável) e da recondução,
previstas na Lei n. 8.112/1990, considerando-se, inclusive, que há orientação
normativa no âmbito da Advocacia-Geral da União admitindo o direito à
recondução de agente público federal que tenha desistido de estágio probatório de
cargo estadual inacumulável, aprovada pela Presidência da República, é nítido o
direito líquido e certo do ora impetrante. 15. Segurança concedida. (STJ - MS:
12576 DF 2007/0013726-6, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de
Julgamento: 26/02/2014, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe
03/04/2014) (negritamos)
Concluiu o relator:
“Para evitar essa
situação – que em nada atende ao interesse público, mas que representa um
prejuízo incomensurável ao cidadão que, ao optar por tomar posse em cargo de
outro regime jurídico, não logra aprovação no estágio probatório ou desiste
antes do encerramento do período de provas, ficando sem qualquer dos cargos –,
deve prevalecer a orientação de que o vínculo permanece até a nova
estabilidade, permitindo a aplicação dos institutos da vacância e da
recondução.” (negritamos)
O Estatuto do Servidor Público é expresso em garantir ao
impetrante que, no caso de posse em outro cargo público inacumulável, tenha o
direito de ser reconduzido àquele originariamente investido caso seja
considerado inabilitado no estágio probatório.
A Administração Pública deve obedecer aos princípios
constantes do artigo 37, da Constituição Federal, quais sejam, legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade.
No que tange ao princípio da legalidade, o Administrador
Público não pode deixar de cumprir a legislação ou atuar sem que a lei
expressamente o autorize.
No caso, o princípio da legalidade deve ser respeito pelo
Administrador Público.
Sendo assim, o cargo de Fiscal Sanitário que o impetrante
foi originariamente investido não pode vagar por exoneração, mas por posse em
outro cargo inacumulável, a fim de ser-lhe garantida a reversão em caso de
inabilitação no estágio probatório do cargo de Auditor Estadual de Controle
Externo do Estado de Mato Grosso do Sul.
Provada a ilegalidade do ato, impõe-se reconhecer o direito
líquido e certo do impetrante.
Ante todo o exposto concedo a segurança para reconhecer a
vacância do cargo público de Fiscal Sanitário pela posse em outro cargo inacumulável
enquanto durar o período de estágio probatório do impetrante no cargo de
Auditor Estadual de Controle Externo do Tribunal de Contas de Mato Grosso do
Sul. Sem custas, ante a isenção legal e sem honorários de advogado, nos termos
das Súmulas nº 512 do Supremo Tribunal Federal e nº 105 do Superior Tribunal de
Justiça. Certificado o decurso de prazo para interposição de apelação,
remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça para o reexame da sentença,
nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei n.º 12.016/2009.
P. R. I. C.
Campo Grande, 08 de agosto de 2019.
Ricardo Galbiati
Juiz de Direito