Por: Renato Marcão |
O Exame Criminológico e a equivocada
Resolução n. 009/2010 do Conselho Federal de Psicologia
Renato Marcão
Membro
do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito.
Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da
Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas
Superiores de Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal
(AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
(IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto
Brasileiro de Execução Penal (IBEP).
Sumário:
1). Introdução; 2). Nossa posição a respeito da (im)possibilidade de
realização de exame criminológico por ocasião da apreciação de pedido de
progressão de regime; 3). Posição do STF e do STJ; 4). Conclusão.
1). Introdução
Com
o advento da Lei 10.792/2003, que entre outras providências alterou a
redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, estabeleceu-se acirrada
discussão na doutrina a respeito da admissibilidade, ou não, do exame
criminológico por ocasião da progressão de regime prisional.
Instadas
a se pronunciarem, as instâncias recursais também se dividiram a
respeito do tema, mas recentemente o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça se posicionaram de forma clara a respeito
do tema, acenando para a possibilidade de realização do exame
criminológico, a critério do juiz da execução penal, devendo ser
apreciada caso a caso a necessidade do exame, mediante decisão
fundamentada.
Ainda
em razão da mesma discussão, tramitam no Congresso Nacional Projetos de
Lei que visam ressuscitar expressamente o exame criminológico para
aferição de mérito visando progressão de regime.
Em
meio a tal quadro, de forma equivocada, o Conselho Federal de
Psicologia editou a Resolução n. 009, de 29 de junho de 2010, que
regulamenta a atuação do psicólogo no sistema prisional, e em seu art.
4º, alínea “a”, assim dispõe: “Conforme indicado nos arts. 6º e 112 da
Lei n. 10.792/2001 (que alterou a Lei n. 7.201/1984), é vedado ao
psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame
criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas
de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da
avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a
execução da pena do sentenciado”.
É inegável o equívoco do referido dispositivo, conforme veremos mais adiante.
2).
Nossa posição a respeito da (im)possibilidade de realização de exame
criminológico por ocasião da apreciação de pedido de progressão de
regime
Conforme já discorremos em outras ocasiões,[1]
estamos definitivamente convencidos de que, embora até possa determinar
a realização de exame criminológico, não é lícito ao juiz da execução
negar progressão de regime com base em informações ou interpretações que
possa extrair do laudo respectivo.
É que, em razão das mudanças impostas com a Lei n. 10.792/2003, o art. 112 da Lei de Execução Penal exige apenas o cumprimento de um sexto da pena, como requisito objetivo para progressão, e a apresentação de atestado de boa conduta carcerária firmado pelo diretor do estabelecimento prisional, como requisito subjetivo. É o que basta para a progressão.
Indeferir
pedido de progressão com base em apontamentos do laudo criminológico,
se o executado cumpriu um sexto da pena no regime atual e juntou
atestado de boa conduta carcerária, nos termos do art. 112 da Lei de
Execução Penal, corresponde a indeferir pedido com base em requisito não
exigido.
É preciso enxergar a verdadeira intenção do legislador e admitir a mudança.
A
lei não mudou para ficar tudo como estava, e prova disso é a existência
de Projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional visando nova
modificação da LEP para trazer de volta o exame criminológico no momento
da progressão.
3). Posição do STF e do STJ
Adotando
entendimento diverso ao que defendemos, após reiteradas decisões no
sentido de que o juiz da execução penal pode, diante do caso concreto e
desde que o faça em decisão fundamentada, determinar a realização do
exame criminológico e valorar suas conclusões para efeito de aferir a
presença de mérito para a progressão de regime, o Supremo Tribunal
Federal editou a Súmula Vinculante 26, que tem a seguinte redação: “Para
efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime
hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a
inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de
1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os
requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.
Com
redação mais abrangente, porém, sem força vinculante, o Superior
Tribunal de Justiça editou a Súmula 439, nos seguintes termos: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”.
O posicionamento das Cortes citadas restou muito claro, e mais não é preciso dizer a esse respeito.
4). A resolução do Conselho Federal de Psicologia
É
equivocada, para dizer o mínimo, a proibição pretendida pelo Conselho
Federal de Psicologia com a redação da alínea “a” do art. 4º, da
Resolução n. 009/2010.
De início é de se ressaltar o desacerto de sua fundamentação, visto que os arts. 6º e 112 da Lei de Execução Penal não proíbem a realização do exame criminológico.
Quanto ao art. 6º não há qualquer dúvida.
Em
relação ao art. 112, ainda que adotado nosso posicionamento acima
indicado, não caberia ao referido Conselho impor a indevida (até porque
inconstitucional) proibição ao exercício da profissão de psicólogo,
especialmente em no campo da execução penal, e menos ainda no momento e
para as finalidades indicadas no corpo da Resolução.
No
mais, note-se que em sentido contrário à pretensão do referido Conselho
há Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal dispondo a respeito da
possibilidade de realização de exame criminológico e também Súmula do
Superior Tribunal de Justiça, com o alcance ainda mais amplo que se
extrai de sua redação, de maneira que a restrição imposta contraria o
posicionamento das duas Cortes de Justiça, de forma a estampar o
lamentável equívoco a que se lançou Conselho Federal ao regulamentar a
atuação dos psicólogos no sistema prisional.
Não
bastasse a celeuma criada pelo legislador ordinário com a Lei n.
10.792/2010, temos agora um grande desserviço prestado por quem tem
reconhecidas condições de contribuir valiosamente para o destino do
processo execucional.
Nem
se diga que a Resolução tem a pretensão de estabelecer que dentre as
atividades profissionais desenvolvidas pelos psicólogos está vedada a
realização de exame criminológico, até porque tal prática está
autorizada na mesma Resolução, “por ocasião do ingresso do apenado no
sistema prisional”, conforme se extrai do mesmo art. 4º, alínea “b”,
redação que respeita os arts. 6º e 7º da LEP.
Os
problemas que decorrem do dispositivo aqui hostilizado são evidentes,
pois naqueles casos em que o juiz determinar a realização de exame
criminológico visando a aferição de mérito para a progressão de regime
prisional, havendo recusa do psicólogo incumbido, e isso com fundamento
na referida Resolução, estará criado impasse que demandará tempo para
sua solução, com consequente demora na prestação jurisdicional e
inevitáveis prejuízos ao executado e à sociedade enquanto se aguarda a
resolução do problema que era absolutamente evitável.
5). Conclusão
Diante
do pântano a que se encontra lançada a execução penal no Brasil, o
mínimo que se espera é que os envolvidos com o processo execucional em
sentido amplo, podendo ajudar, não atrapalhem.
[1] Renato Marcão, Curso de Execução Penal, Saraiva, 8 ed., 2010; Lei de Execução Penal Anotada e Interpretada, 3. ed., Lumen Juris, 2009.
PUBLICADO ORIGINARIAMENTE NO WEBSITE http://www.conamp.org.br/Lists/artigos/DispForm.aspx?ID=185
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domingo, 5 de maio de 2013
O EXAME CRIMINOLÓGICO E A EQUIVOCADA RESOLUÇÃO N.009/2010 DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
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