sexta-feira, 11 de março de 2022

O Fruto Proibido do Direito

 

Por acaso se colhem uvas de espinheiros ou figos de urtigas? Assim, toda árvore boa produz frutos bons, e toda árvore má, produz frutos maus. Uma árvore boa não pode dar frutos maus, nem uma árvore má pode produzir frutos bons. Toda árvore que não dá bons frutos é cortada e jogada no fogo. Portanto, pelos seus frutos vós os conhecereis”.

                                                         (Evangelho Mt 7,15-20)

 

 

Você aceitaria um bombom ou um fruto envenenado?

A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (em inglês, “fruits of the poisonous tree”)   é uma teoria que cria um liame que faz uma ligação entre a prova obtida por meio de uma ação ilegal e aquelas que dela venham a ser obtidas por meio dessa violação, especialmente as regras de Direito Material em relação a todas as demais provas fundadas a partir daquela.

De acordo com essa teoria, todas as provas, obtidas a partir de uma prova que foi obtida ilegalmente, são nulas de pleno direito, portanto, são ilícitas por derivação, devendo serem descartadas do processo de persecução penal, isto porque “A prova é a demonstração lógica da realidade, no processo, por meio dos instrumentos legalmente previstos, buscando gerar, no espírito do julgador, a certeza em relação aos fatos alegados e, por consequência, gerando a convicção objetivada para o deslinde da demanda.” , nas palavras de Guilherme Souza Nucci

Ações policiais em residência, no período noturno, sem ordem judicial, gera a nulidade de eventual prisão em flagrante, acarretando a nulidade de todos os demais atos posteriores e, por consequência, a absolvição dos acusados ou réus, assim entendeu o STJ em um caso ocorrido em Campo Grande/MS, eis que a casa é um asilo inviolável, protegido pela nossa Carta Magna, vejamos a decisão do Ministro Relator:

“.....Neste writ, alega a defesa constrangimento ilegal na prisão em flagrante do paciente, uma vez que os policiais invadiram a sua residência, no período noturno, sem qualquer autorização prévia ou judicial.

Sobre essa quaestio, pontuou a Corte estadual (fls. 32/33): [...] No caso versando, é possível extrair que a apuração dos fatos se iniciou no período da manhã, quando em patrulhamento ostensivo os policiais deram ordem de parada para aos ocupantes de um veículo Honda Civic, cor prata, com placas cujos caracteres iniciais eram OOS.

Referida ordem foi desobedecida, porquanto os ocupantes do veículo empreenderam fuga, mediante isto, os policiais iniciaram a perseguição do veículo, mas o perderam de vista.

Em continuidade as diligências, por volta das 23:00h, os policiais avistaram referido veículo estacionado defronte a casa do paciente, motivo pelo qual resolveram fazer a abordagem inicial com intuito de constatar os fatos ocorridos no período matutino.

Porém, os milicianos notaram que o paciente e o corréu, ao avistarem a viatura policial, tentaram se desfazer de uma mochila, o que levou a descoberta dos entorpecentes e armas apreendidas. Destarte, a dinâmica dos fatos demonstra a ocorrência do flagrante impróprio (artigo 302, inciso III, do CPP), uma vez que os agentes foram perseguidos logo após a ordem de parada que ensejaria no delito de desobediência, o que dilata o período de flagrância, que poderá perdurar o tempo necessário da perseguição, sendo certo que a existência de nova infração deriva do encontro fortuito de provas.

Isto porque, inicialmente, os policiais visavam a elucidação do crime de desobediência, mas, durante a abordagem, houve a descoberta de novo crime (princípio da serenidade). Nesse aspecto, durante a abordagem primitiva, os policiais presenciaram ações que sinalizaram a ocorrência de crime no interior da residência, cuja intervenção não poderia se procrastinar, haja vista a tentativa dos agentes em se desfazer do ilícito, sendo evidente a justa causa para o ingresso regular dos policiais na residência do paciente, não sendo amparada somente na desconfiança dos policiais.

Pois bem, esta Corte Superior tem entendido que [a]s circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude 'suspeita', ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente [...], e que tal compreensão não se traduz, obviamente, em cercear a necessária ação das forças de segurança pública no combate ao tráfico de entorpecentes, muito menos em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos ou em espaço de criminalidade.

Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso policial no domicílio alheio a situação de ocorrência de um crime cuja urgência na sua cessação desautorize o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial - meio ordinário e seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da morada - legitimar a entrada em residência ou local de abrigo (HC n. 598.051/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/3/2021).

Nessa mesma linha de entendimento, o Subprocurador-Geral da República Mario Luiz Bonsaglia assim destacou em seu parecer (fls. 114/118):

[...] não há indicação nos autos de fundada suspeita da ocorrência de prática delitiva no interior da residência, narrado nos autos, conforme se observa dos termos de depoimento dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante, que estes adentraram na casa porque em frente estava estacionado um veículo semelhante a outro que, pela manhã, não obedeceu ordem de parada e empreendeu fuga da abordagem policial [...] [...] Como se observa dos depoimentos dos policiais, estes sequer tinham a certeza de que se tratava do mesmo veículo que tentaram abordar no período da manhã, narrado apenas que era semelhante em razão do modelo, cor e iniciais da placa.

Ademais, não há qualquer referência a investigação preliminar ou menção a situações outras que poderiam caracterizar a justa causa para a busca domiciliar, como campanas no local, monitoramento dos suspeitos, ou, ao menos, movimentação de pessoas a indicar a traficância.

Nesse contexto, não se pode acoimar de 'atitude suspeita' o fato de encontrar-se estacionado em frente ao imóvel um veículo semelhante a outro que havia empreendido fuga de abordagem policial em momento anterior, evidenciando-se que, no caso, a ilegalidade da atuação policial. [...]

Com razão, assim, o recorrente, porquanto não se encontra revestida de legalidade a atuação policial que adentra a residência do agente sem autorização judicial e sem o competente mandado, ausentes também fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental da inviolabilidade do domicílio, uma vez que inexistente contexto fático anterior à invasão a permitir validamente a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência, assim como ausente investigação prévia a fundamentar a suspeita de que o averiguado guardava drogas naquele local.

Assim, considerando todos os fundamentos apresentados, devem ser consideradas nulas todas as provas obtidas mediante a invasão de domicílio e, por consequência, as delas decorrentes, consoante prevê o art. 5º, LVI, da Constituição Federal, em razão do nexo causal entre a invasão de domicílio (realizada de forma ilícita) e a apreensão de drogas.

 Portanto, há constrangimento ilegal a ser sanado por esta Corte Superior. Verificada a identidade de situações entre o paciente e o corréu, visto que a decisão hostilizada não se fundou em motivos de caráter exclusivamente pessoal, forçoso reconhecer a extensão, nos termos do art. 580 do CPP.

Ante o exposto, concedo a ordem para reconhecer a nulidade do flagrante em razão da invasão de domicílio e, por conseguinte, anular as provas obtidas em decorrência do ato e absolver o paciente das imputações delituosas (art. 386, II, do CPP) referentes à Ação Penal n. 0006262-49.2021.8.12.0800, do Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da comarca de Campo Grande/MS, com extensão ao corréu .................. Intime-se o Ministério Público estadual.

Publique-se. Brasília, 03 de março de 2022.

Ministro Sebastião Reis Júnior

 Relator

 

Preservar o direito de asilo inviolável, que é a casa da pessoa, é garantir a verdade real dos fatos que serão apurados, é fazer justiça e acima de tudo respeito aos menos afortunados, pois, esse tipo de ação, ocorre somente em bairros da periferia das cidades, enquanto que nos residenciais nobres, tais ações ocorrem durante o dia, com ordem judicial e muitas vezes acompanhados de Promotor ou da Autoridade Policial (Delegado).

Por esses motivos, não devemos aceitar um bombom ou fruto envenenados, pois, as consequências podem ser fatais, e desde de longínquos tempos, os frutos da árvore envenenada, devem ser queimados, e árvore arrancada, para que não produza outros frutos ruins. Pode a árvore ruim dar bons frutos?

 

 

 

 

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