Por
acaso se colhem uvas de espinheiros ou figos de urtigas? Assim, toda
árvore boa produz frutos bons, e toda árvore má, produz frutos maus. Uma
árvore boa não pode dar frutos maus, nem uma árvore má pode produzir frutos
bons. Toda árvore que não dá bons frutos é cortada e jogada no fogo. Portanto,
pelos seus frutos vós os conhecereis”.
(Evangelho Mt 7,15-20)
Você aceitaria um bombom ou um fruto envenenado?
A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (em inglês, “fruits
of the poisonous tree”) é uma teoria que cria um liame que faz uma
ligação entre a prova obtida por meio de uma ação ilegal e aquelas que dela
venham a ser obtidas por meio dessa violação, especialmente as regras de
Direito Material em relação a todas as demais provas fundadas a partir daquela.
De acordo com essa teoria, todas as provas, obtidas a partir de uma
prova que foi obtida ilegalmente, são nulas de pleno direito, portanto, são
ilícitas por derivação, devendo serem descartadas do processo de persecução
penal, isto porque “A prova é a demonstração lógica da realidade, no
processo, por meio dos instrumentos legalmente previstos, buscando gerar, no
espírito do julgador, a certeza em relação aos fatos alegados e, por
consequência, gerando a convicção objetivada para o deslinde da demanda.” , nas palavras de Guilherme
Souza Nucci
Ações policiais em residência, no período noturno, sem ordem judicial,
gera a nulidade de eventual prisão em flagrante, acarretando a nulidade de
todos os demais atos posteriores e, por consequência, a absolvição dos acusados
ou réus, assim entendeu o STJ em um caso ocorrido em Campo Grande/MS, eis que a
casa é um asilo inviolável, protegido pela nossa Carta Magna, vejamos a decisão
do Ministro Relator:
“.....Neste writ, alega a defesa
constrangimento ilegal na prisão em flagrante do paciente, uma vez que os
policiais invadiram a sua residência, no período noturno, sem qualquer
autorização prévia ou judicial.
Sobre essa quaestio, pontuou a Corte
estadual (fls. 32/33): [...] No caso versando, é possível extrair que a
apuração dos fatos se iniciou no período da manhã, quando em patrulhamento
ostensivo os policiais deram ordem de parada para aos ocupantes de um veículo
Honda Civic, cor prata, com placas cujos caracteres iniciais eram OOS.
Referida ordem foi desobedecida, porquanto
os ocupantes do veículo empreenderam fuga, mediante isto, os policiais
iniciaram a perseguição do veículo, mas o perderam de vista.
Em continuidade as diligências, por volta
das 23:00h, os policiais avistaram referido veículo estacionado defronte a casa
do paciente, motivo pelo qual resolveram fazer a abordagem inicial com intuito
de constatar os fatos ocorridos no período matutino.
Porém, os milicianos notaram que o paciente
e o corréu, ao avistarem a viatura policial, tentaram se desfazer de uma
mochila, o que levou a descoberta dos entorpecentes e armas apreendidas.
Destarte, a dinâmica dos fatos demonstra a ocorrência do flagrante impróprio (artigo
302, inciso III, do CPP), uma vez que os agentes foram perseguidos logo após a
ordem de parada que ensejaria no delito de desobediência, o que dilata o
período de flagrância, que poderá perdurar o tempo necessário da perseguição,
sendo certo que a existência de nova infração deriva do encontro fortuito de
provas.
Isto porque, inicialmente, os policiais
visavam a elucidação do crime de desobediência, mas, durante a abordagem, houve
a descoberta de novo crime (princípio da serenidade). Nesse aspecto, durante a
abordagem primitiva, os policiais presenciaram ações que sinalizaram a
ocorrência de crime no interior da residência, cuja intervenção não poderia se
procrastinar, haja vista a tentativa dos agentes em se desfazer do ilícito,
sendo evidente a justa causa para o ingresso regular dos policiais na residência
do paciente, não sendo amparada somente na desconfiança dos policiais.
Pois
bem, esta Corte Superior tem entendido que [a]s circunstâncias que antecederem
a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas
razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do
suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança
policial, apoiada, v. g., em mera atitude 'suspeita', ou na fuga do indivíduo
em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser
atribuído a vários motivos, não, necessariamente [...], e que tal compreensão
não se traduz, obviamente, em cercear a necessária ação das forças de segurança
pública no combate ao tráfico de entorpecentes, muito menos em transformar o
domicílio em salvaguarda de criminosos ou em espaço de criminalidade.
Há
de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso policial no domicílio
alheio a situação de ocorrência de um crime cuja urgência na sua cessação
desautorize o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial -
meio ordinário e seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da
morada - legitimar a entrada em residência ou local de abrigo (HC n.
598.051/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/3/2021).
Nessa
mesma linha de entendimento, o Subprocurador-Geral da República Mario Luiz
Bonsaglia assim destacou em seu parecer (fls. 114/118):
[...]
não há indicação nos autos de fundada suspeita da ocorrência de prática
delitiva no interior da residência, narrado nos autos, conforme se observa dos
termos de depoimento dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante, que
estes adentraram na casa porque em frente estava estacionado um veículo
semelhante a outro que, pela manhã, não obedeceu ordem de parada e empreendeu
fuga da abordagem policial [...] [...] Como se observa dos depoimentos dos
policiais, estes sequer tinham a certeza de que se tratava do mesmo veículo que
tentaram abordar no período da manhã, narrado apenas que era semelhante em
razão do modelo, cor e iniciais da placa.
Ademais,
não há qualquer referência a investigação preliminar ou menção a situações
outras que poderiam caracterizar a justa causa para a busca domiciliar, como
campanas no local, monitoramento dos suspeitos, ou, ao menos, movimentação de
pessoas a indicar a traficância.
Nesse
contexto, não se pode acoimar de 'atitude suspeita' o fato de encontrar-se
estacionado em frente ao imóvel um veículo semelhante a outro que havia
empreendido fuga de abordagem policial em momento anterior, evidenciando-se
que, no caso, a ilegalidade da atuação policial. [...]
Com
razão, assim, o recorrente, porquanto não se encontra revestida de legalidade a
atuação policial que adentra a residência do agente sem autorização judicial e
sem o competente mandado, ausentes também fundadas razões (justa causa) que
sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental da
inviolabilidade do domicílio, uma vez que inexistente contexto fático anterior
à invasão a permitir validamente a conclusão acerca da ocorrência de crime no
interior da residência, assim como ausente investigação prévia a fundamentar a
suspeita de que o averiguado guardava drogas naquele local.
Assim,
considerando todos os fundamentos apresentados, devem ser consideradas nulas
todas as provas obtidas mediante a invasão de domicílio e, por consequência, as
delas decorrentes, consoante prevê o art. 5º, LVI, da Constituição Federal, em
razão do nexo causal entre a invasão de domicílio (realizada de forma ilícita)
e a apreensão de drogas.
Portanto, há constrangimento ilegal a ser
sanado por esta Corte Superior. Verificada a identidade de situações entre o
paciente e o corréu, visto que a decisão hostilizada não se fundou em motivos
de caráter exclusivamente pessoal, forçoso reconhecer a extensão, nos termos do
art. 580 do CPP.
Ante
o exposto, concedo a ordem para reconhecer a nulidade do flagrante em razão da
invasão de domicílio e, por conseguinte, anular as provas obtidas em
decorrência do ato e absolver o paciente das imputações delituosas (art. 386,
II, do CPP) referentes à Ação Penal n. 0006262-49.2021.8.12.0800, do Juízo de
Direito da 5ª Vara Criminal da comarca de Campo Grande/MS, com extensão ao
corréu .................. Intime-se o Ministério Público estadual.
Publique-se.
Brasília, 03 de março de 2022.
Ministro
Sebastião Reis Júnior
Relator
Preservar
o direito de asilo inviolável, que é a casa da pessoa, é garantir a verdade
real dos fatos que serão apurados, é fazer justiça e acima de tudo respeito aos
menos afortunados, pois, esse tipo de ação, ocorre somente em bairros da periferia
das cidades, enquanto que nos residenciais nobres, tais ações ocorrem durante o
dia, com ordem judicial e muitas vezes acompanhados de Promotor ou da Autoridade
Policial (Delegado).
Por
esses motivos, não devemos aceitar um bombom ou fruto envenenados, pois, as
consequências podem ser fatais, e desde de longínquos tempos, os frutos da árvore
envenenada, devem ser queimados, e árvore arrancada, para que não produza
outros frutos ruins. Pode a árvore ruim dar bons frutos?
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