terça-feira, 2 de abril de 2013

Das perícias psicológicas no processo penal

    (Por Dr. Enver Merege Filho - Psicólogo/ Perito credenciado do TJMS e Dr. Luan Ojeda - Advogado)

O Processo Penal brasileiro é regido por normas que seguem os preceitos da Constituição da República de 1988, tais como: devido processo legal, presunção de inocência, ampla defesa e contraditório.
Na persecução penal, há um rito a ser seguido, o qual, desde o início do inquérito policial até a sentença e eventual cumprimento desta, deve ser carreado por provas e circunstâncias probatórias que indicam fatos ou situações que servem de base para um julgamento, um rumo de investigação, a concessão de algum benefício etc.
Um dos mais importantes instrumentos que dão supedâneo às atitudes supracitadas é o laudo pericial. Tal meio de prova pode embasar a decisão do Juiz quando da concessão do livramento condicional, progressão de regime de cumprimento da reprimenda, liberdade provisória, aplicação de medida de segurança em sentença absolutória imprópria e mesmo na aplicação de atenuantes ou agravantes da pena.
Hodiernamente, os laudos periciais, na esfera criminal, ainda têm papel coadjuvante, não sendo devidamente explorados como um poderoso recurso de defesa, servindo essencialmente para exames toxicológicos, de insanidade mental, ou mesmo para concessão de benesses no cumprimento da sentença, a fim de avaliar os requisitos subjetivos para gozo destas.
A título de exemplo: merece a mesma reprimenda uma pessoa que furta algo, pois a ocasião lhe foi auspiciosa, e aquela que, acometida por transtorno da saúde mental, é impulsionada a furtar algo para saciar um impulso que lhe dá prazer, não obstante este ser insuficiente para prejudicar sua autodeterminação? Nota-se que no segundo caso, apesar da pessoa ser acometida por transtorno da saúde mental, não poderá receber o benefício da diminuição de pena, pois não tem sua autodeterminação reduzida. Ocorre que, por óbvio, os dois exemplos merecem reprimendas diversas, pois um praticou o ato ilícito por conveniência, já o segundo praticou por impulso do transtorno da saúde mental que lhe acomete. Verifica-se no caso em testilha que é curial a existência da análise psicológica para fundamentar tal diferença na aplicação de pena.
Relatada a importância das periciais no Processo Penal, passo à explanação da elaboração dos laudos periciais, suas peculiaridades e cuidados que devem ser tomados quando da análise de cada caso.
Os laudos periciais devem seguir padrões pré-estabelecidos quando de sua exposição. Em geral, é conveniente que as perícias sejam seguidas por duas fases: aplicação de testes psicométricos (TIG-NV, EFN, EFS, BFP e Palográfico) e a entrevista objetiva (qualificação do examinado, anamnese, entrevista específica a respeito do crime e circunstâncias pessoais). Ademais, deve conter outros requisitos como os instrumentos utilizados para se chegar ao diagnóstico, resposta aos quesitos, conforme a DSM-IV determina.
É importante que o Perito guarde tempo suficiente para realizar uma perícia de forma eficaz, angariando informações necessárias para obter base bastante a fim de diagnosticar uma personalidade como acometida ou não por alguma doença mental, transtorno da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Ressalta-se que o profissional que realiza o exame deve saber previamente: dados do processo, informações básicas a respeito do examinado, os quesitos apresentados por cada uma das partes do processo e a finalidade da perícia, a fim de que aquela seja direcionada para esse intuito, aplicando-se os testes adequados, investigando as características importantes para o fim colimado e tentando identificar os vícios de personalidade, comportamento e mesmo de consciência.
Ponderados os pontos gerais das perícias, exponho as mais importantes.
·         Exame toxicológico
Nesta entrevista objetiva, o examinador deve estar atento para características físicas do examinado como: sinais de uso de drogas nas mãos, sinais de ansiedade expostos por autoagressão (unhas roídas, cutículas arrancadas, lábios mordidos), peso abaixo do adequado para a estatura, sinais de pouco asseio ou características de uma pessoa descuidada com a própria aparência.
Ademais, o examinado poderá apresentar, dependendo do tipo de droga utilizada, bradpsiquismo, hipervigilância e hipertenacidade ou hipovigilância e hipotenacidade, humor irritadiço, ansioso e descontrole do comportamento.
Nos testes, devem ser observadas as características de socialização, pois é recorrente o histórico de isolamento social das pessoas que são acometidos pela dependência do uso de drogas (pode ser avaliado pelo exame BFP ou EFS), além de seu fator cognitivo que geralmente sofre prejuízo quando o uso das drogas torna-se dependência (avaliado no exame TIG-NV).
Frise-se que dificilmente serão constatados sinais de abstinência física durante a perícia, desta forma é conveniente observar o relatório de atendimentos médicos do paciente no Estabelecimento Penal.
Seguindo tais passos, é possível chegar a um diagnóstico conclusivo a respeito da dependência do uso de substâncias entorpecentes, uso habitual ou uso eventual desta.
·         Exame de insanidade mental
Tal exame é mais complexo, pois visa avaliar a personalidade do indivíduo como um todo, investigando se há doença mental, transtorno da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Nesse caso, todas as características físicas devem ser observadas e é conveniente que todos os exames sejam aplicados (principalmente o BFP e IHS), não menosprezando a anamnese e avaliação das características pessoais do examinado, com relação ou não ao crime que este é acusado.
Insta frisar que, porventura atitudes são confundidas com a personalidade, o que não condiz com a realidade. Atitudes são condutas tomadas, dotadas por uma gama de características que nem sempre levam a pessoa a agir da forma que condiz com sua realidade pessoal. A personalidade pode ser mais bem avaliada com relação aos hábitos da pessoa, porém dificilmente pode se presumir uma personalidade embasando-se nas atitudes isoladas dela, assim o examinador deve avaliar os motivos que levaram o examinado a praticar determinadas condutas, se já praticou outras vezes ou se teve vontade de praticá-la.
Eventualmente a entrevista pode sofrer prejuízo no material coletado quando o examinado sofre de grave perturbação da consciência (alteração qualitativa, obnubilação da consciência) e distúrbios sensoperceptivos (surtos psicóticos como distorções de intensidade, ilusões ou alucinações), situação que geralmente acontece quando o avaliado é acometido por esquizofrenia ou retardo mental médio ou grave.
·         Exame criminológico
Este exame tem a finalidade específica de avaliar a personalidade do examinado, a fim de concluir se este se encontra apto a obter a liberdade ou a progressão para um regime menos rigoroso, sem que seja um perigo à sociedade além do que esta deve suportar.
Neste caso, os testes psicométricos convenientes para aplicação são os que avaliam o grau de socialização deste e características importantes que são englobadas pelo neuroticismo da personalidade (BFP, IHS, EFN, EFS), sendo interessante também a aplicação do TIG-NV, vez que baixos coeficientes de inteligência tendem a se apresentar em pessoas mais rudes, facilmente manipuláveis e que não sabem lidar com qualquer tipo de situação.
A entrevista objetiva deve explorar seu histórico, porém, vez que a finalidade é avaliar o estado atual do examinado e sua aptidão para progressão de regime ou livramento condicional, retomando parcela de sua liberdade, não é necessária a devassa total do passado deste, não visando pequenos traumas de infância nem situações que não sejam capazes de alterar a personalidade ou seus hábitos.
·         Exame de cessação de pericusosidade
Tal exame é realizado com o intuito específico de ter conhecimento a respeito do grau de periculosidade do examinado. Este só é determinando quando aplicada absolvição imprópria ao caso processado, a qual consiste na constatação da inocência do examinado, vez que este praticou a conduta ilícita alienado de seu entendimento ou autodeterminação, ou seja, ele praticou o ato, porém não tinha qualquer possibilidade de entender o caráter ilícito do ato praticado nem podia se controlar de acordo com o que entendia por ilícito.
Usualmente, as pessoas que são submetidas ao exame de cessação de periculosidade já estão em tratamento médico adequado para a doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado que as acometem; desta forma é frequente os quesitos indagando se o tratamento vem sendo eficaz, se o examinado apresentou melhora no quadro que apresentava quando da prática do ato ilícito.
Os testes aplicáveis neste exame variam de acordo com o quadro do examinado, porém o Palográfico, TIG-NV, o BFP e o EFN são adequados para avaliação da periculosidade, consciência e fator cognitivo do examinado, tornando-os mais indicados para tal perícia.
Feita a qualificação do examinado, a anamnese, o histórico pessoal e criminológico, o diagnóstico, chega-se à parte principal da perícia: a resposta aos quesitos.
É notável, no meio jurídico, a resposta extremamente objetiva que os peritos dão às indagações realizadas pelas partes do processo. Ocorre que respostas diretas, assim como uma decisão judicial não fundamentada, podem causar sentimento de injustiça e mesmo desconfiança a respeito da conclusão exarada no processo, assim sendo forçosa a fundamentação das respostas apresentadas a cada um dos quesitos, vez que desta forma não se chegaria à conclusão de que alguém é acometido por tal doença, pois o Perito assim o disse, mas porque tal pessoa preenche as características apresentadas por alguém que é portador de tal doença, sendo uma conclusão lógica e irrefutável, o que não ocorre quando as respostas são diretas e objetivas, causando impressão autoritária e ditatorial.
No entanto, ressalta-se que o Perito não pode tecer comentários muito além do que foi solicitado, vez que este é auxiliar do Juízo e deve cumprir seu encargo de forma objetiva, concisa e visando o fim colimado, sendo possível ser detalhista apenas quando lhe é indagado, como eventualmente as partes o fazem: “Queira o senhor Perito especificar algo que seja importante ao caso em tela”.
Por fim, é importante ressaltar que o trabalho do Perito Psicólogo em conjunto com um profissional da área do Direito, com experiência na área, é extremamente aconselhável, vez que desta forma é possível fazer uma ponte de entendimento entre o profissional Psicólogo e as partes do processo, quando da elaboração do laudo pericial, pois a princípio cada parte está habituada com sua área específica (o Promotor, Defensor, Juiz com a área do Direito e o Psicólogo com a área das patologias mentais), o que poderia dificultar no entendimento de qualquer das partes, dada a especificidade técnica que cada um tem. Assim, aquele profissional poderá simplificar o trabalho tanto do Psicólogo como das partes do processo, dando maior confiabilidade nas decisões embasadas nos laudos e informações fornecidas ao Juízo.
Estes são os preceitos que o Perito Psicólogo deve seguir quando da realização de uma perícia criminal a fim de elaborar um laudo que preenche as exigências da DSM-IV e que seja uma importante ferramenta como meio de prova no processo criminal, o que torna tal instrumento cada vez mais importante e explorado em tal âmbito, pois porta singular imprescindibilidade em determinados casos.

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